Publicado originalmente em portalfecomerciarios.org.br
Estarrecidas, milhares de pessoas, competentes, conhecedoras, voltadas e (sinceramente) devotadas ao mundo do trabalho, receberam a insensível (à realidade de um sem número de trabalhadores), desrespeitosa (às dificuldades sem conta que enorme contingente de trabalhadores enfrenta em suas vidas, com as adversas condições de trabalho, agravadas no caso da pejotização), agressiva (ao fator trabalho em si, diminuindo-o, ou melhor, aviltando-o, o que claro, atinge os que executam-no), reveladora (de sua opção, clara e inabalável, a uma “liberdade”, deliberadamente entre aspas, que enquanto favorece alguns, oprime/esmaga milhões), entre outros aspectos, “decisão” (também aqui, as aspas não são acidentais) monocrática do Ministro Gilmar Mendes, suspendendo, até exame de caso de repercussão geral acerca do tema, ações trabalhistas que versem sobre pejotização. Diversas entidades se manifestaram, deixando clara a séria – e com bastas razões para tanto, e como! – preocupação com as consequências dessa “decisão”, todas elencando razões irrefutáveis/inegáveis/irrecusáveis quanto ao seu mais absoluto desacerto, mostrando o grande, alarmante mesmo, equívoco de seu teor e determinação; dentre as que assim fizeram, reproduzo alguns excertos:
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NO COMÉRCIO (CNTC):
“Considera o posicionamento do STF um ataque frontal ao Direito do Trabalho, à Justiça do Trabalho, ao Ministério Público do Trabalho, à Inspeção do Trabalho e à advocacia trabalhista brasileira. Trata-se de uma medida que, na prática, ameaça aniquilar os pilares fundamentais da proteção social garantidos pela Constituição Federal de 1988. A pejotização irrestrita representa, para a classe trabalhadora brasileira, a destruição do vínculo empregatício constitucionalmente previsto, escancarando a porta para contratações precárias, sem garantias, sem direitos e sem dignidade. Essa realidade coloca milhões de trabalhadores à mercê da exploração mais brutal e enfraquece toda a estrutura de proteção social construída ao longo de décadas de lutas lideradas pelo movimento sindical brasileiro” (Presidente: Luiz Carlos Motta, reconhecido, merecidamente, como um dos maiores líderes sindicais do País, além de grande Deputado Federal).
ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO DO TRABALHO:
“Sente-se na obrigação de se pronunciar para alertar todos sobre o indeclinável dever de observância das disposições da nossa Constituição, especialmente quanto à competência material da Justiça do Trabalho, consagrada em seu artigo 114” (Presidente: Alexandre de Sousa Agra Belmonte, reconhecido, merecidamente, como um dos maiores juslaboristas pátrios e um grande nome dentre os Ministros do E. TST).
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO SÃO PAULO:
“A OABSP reitera seu entendimento de que a questão da competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas em que se discute a fraude no contrato civil de prestação de serviços deve ser analisada à luz do artigo 114, inciso I, da Constituição Federal […] detém, sim, a competência para apreciar a ilicitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços em cada situação concreta, à luz dos fatos alegados e provados, e isso não afronta o entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADPF 324 […].
É preciso lembrar, ainda, o teor do artigo 9o da CLT […]. Já a questão do ônus da prova nas referidas ações judiciais que debatem a existência de fraudes trabalhistas é matéria infraconstitucional, a ser resolvida em cada caso concreto com a aplicação dos artigos 818 da CLT e 373 do CPC”(Presidente Secional Leonardo Sica, Presidente da Comissão de Advocacia Trabalhista Otávio Pinto e Silva).
INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS AVANÇADOS DA MAGISTRATURA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (IPEATRA):
“Se une às entidades que defendem a Justiça do Trabalho e reafirma seu compromisso com a promoção e defesa dos direitos sociais e trabalhistas, e se coloca à disposição para atuar, dentro de suas possibilidades, no sentido de reverter, essa decisão e garantir que a Justiça do Trabalho continue a desempenhar seu papel fundamental na proteção de trabalhadores e trabalhadoras, e na promoção de um ambiente de trabalho digno, justo, saudável e acessível”.
INDIGNAÇÃO E DECEPÇÃO
Como é bem de ver, a indignação (claro, decepção também) é geral, e vale salientar que inúmeras outras consistentes e valiosas manifestações poderiam ser mencionadas, o que não é feito por questão de espaço; todavia, de observar que, na pena (ou tecla) dos que se expressaram, vê-se, ainda, uma enorme e justificadíssima preocupação, para além das questões específicas da Justiça do Trabalho e do Direito do Trabalho, consequentemente, da proteção social/humana que o Estado há dispensar aos mais vulneráveis, evitando sua impiedosa exploração, aqui os trabalhadores e trabalhadoras (e que, lamentavelmente, justamente o Estado que, por um seu agente, nega-lhes essa necessária proteção…), com os devastadores efeitos, que só um invencível descaso pode admitir, em vários outros serviços, setores, órgãos e segmentos, bem como em pessoas que, para conseguirem trabalho, precisam de uma atenção mais especial ainda, em lista infindável, como os males que provocará…! Triste e desesperador, por isso não há silenciar a respeito!
DESASTROSAS CONSEQUÊNCIAS
Arrancando da ideia de que não se possa negar possua o Ministro Gilmar Mendes, um bom entendimento da realidade nacional, nos pontos que ora importam e um bom conhecimento jurídico, um pouco mais de uns, menos de outros de seus ramos, e que possua mentes muito capacitadas para, captando seus “entendimentos” (essas aspas insistem em aparecer!), auxiliá-lo a colocá-los em suas “decisões”, não há como imaginar não possa avaliar das irreversíveis e desastrosas consequências dessa sua “decisão”, que vão além da agressão a ordem jurídica, embora aqui também a afronta seja grave e irreparável, se esta persistir! Em sendo assim, a pergunta que não quer calar: por que, repita-se, por que assim deliberou? Qual sua real motivação?
DESENTENDIMENTO
A indagação ora feita, faz lembrar, inevitavelmente, observações e relatos feitos lá em 8 de maio de 2002, em publicação no Jornal Folha de S. Paulo, Opinião, por um dos maiores juristas que o Brasil já teve, Professor Dalmo Dallari, aquando da indicação do Sr. Gilmar Mendes, para o honroso cargo de Ministro do A. STF, descrevendo e criticando, como o indicado desenvolvia suas atividades, enquanto Advogado Geral da União, cuja leitura faz pensar – e muito! E leva a que se recorde, da mesma forma, não há como não vir à mente, o desentendimento ocorrido em plena sessão do STF, no dia 21 de março de 2018 (parece que houve mais, além desta!) entre os Ministros Gilmar Mendes e o Ministro Luís Roberto Barroso, e o que este último disse então, quanto ao modo de agir do primeiro! Conquanto mais recente, também a reportagem da Revista Piauí, de 10 de abril de 2025, traz informações sobre conduta do Ministro Gilmar Mendes e que também fazem refletir – e muito, e com apreensão!
DESRESPEITO
Sem dúvida, a maneira de ver e se conduzir do Ministro Gilmar não são de modo a se conclua que as preocupações com o humano/social, os trabalhadores, os vulneráveis, os explorados sejam as que norteiam suas “decisões”, nem de longe, sendo outras as razões que alumiam as mesmas! Contudo, agora, o Ministro Gilmar Mendes pode demonstrar que mencionados fatos são momentos seus, e não sua essência de Ministro do Supremo Tribunal Federal! Portanto, o momento é seu Ministro! Aproveite-o, revendo a “decisão” em tela! Em sendo assim, o que se há de aguardar é que os demais Ministros entendam o quanto a “decisão” ora em foco maltrata, melhor, desrespeita a Constituição Federal, atingindo em cheio o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho, e com isso arrastando um universo de trabalhadores à desmedida desproteção, em postura de todo em todo contrária, como dito, ao que dispõe a Magna Carta, e reveja aludida “decisão” e quem sabe, por que não?
PERVERSOS EFEITOS
O próprio Ministro Gilmar Mendes, veja, com o olhar experiente que possui, que há outros valores na vida, no País, nas relações sociais, além daqueles que mais se habituou a enaltecer e/ou lhe importa, quando investido da elevadíssima função de Ministro do Supremo Tribunal Federal, em um País em que tantos milhões de pessoas, com suas famílias, dependem de um trabalho para viver, e para consegui-lo, não raro, ao reverso, são obrigados a concordar com o que quer que seja, de modo que falar em autonomia privada, respeito ao contratado e outras frases e/ou visões semelhantes, em verdade, são cruéis, refinadamente cruéis, desviam o olhar da realidade e do Texto Maior, lançam à exploração milhões de pessoas, prejudicam a sociedade como um todo e o próprio País, sendo, por isso mesmo, um alarme a notícia de que aumentou o número de ações em que se discute vínculo de emprego, em função de falsas, grosseiramente falsas pejotizações, alarme por desnudar a dura verdade que, à medida que se tem por possíveis tais práticas, mais e mais se aventuram a levá-las a efeito, e mais e mais os vulneráveis que sofrerão seus mais perversos efeitos. Há de ter esperanças que não seja esse quadro dantesco que os Ministros de nossa Corte Maior desejem ter como pano de fundo das molduras que registrem sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal! Tenho fé! Tenhamos fé! Há acreditar que ainda há corações em Berlim, digo, em Brasília!
Francisco A.M.P. Giordani, desembargador do trabalho aposentado, advogado.