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As cortes europeias continuam o cerco sobre as plataformas digitais: tribunal na Holanda decide que todos os motoristas da Uber no país são empregados

Por Rodrigo Carelli

Publicado originalmente em trab21.blog

A Holanda considerou, por decisão do Tribunal Distrital de Amsterdã tomada neste dia 13 de setembro de 2021, que os motoristas da Uber que lhe prestam serviços pessoalmente são seus empregados. O acórdão se deu em ação coletiva ajuizada pela Federação Nacional de Trabalhadores da Holanda (Federatie Nederlandse Vakbeweging – FNV). A decisão ainda condenou a empresa a pagar danos materiais e morais à entidade sindical e aplicação da convenção coletiva da categoria.

A decisão é relevante não somente porque potencialmente atinge todos os motoristas da empresa naquele país, mas também pelo fato que expressamente afirma que a Uber realiza o que a Corte chamou de “subordinação moderna”.

Afirmaram os julgadores: “Na era tecnológica atual, o critério de “subordinação” tem sido interpretado de uma forma que se desvia do modelo clássico, de um modo de controle mais indireto (muitas vezes digital). Os empregados se tornaram mais independentes e realizam seu trabalho em momentos mais variados (auto-selecionados). Considera-se que na relação entre Uber e seus motoristas, existe esta “relação moderna de subordinação”.

Para entender dessa forma, a Corte argumentou que os motoristas só podem exercer suas atividades por meio do aplicativo da Uber, e que para isso devem aceitar as condições impostas pela empresa, que são inegociáveis e que a Uber também pode unilateralmente alterá-las. Também ressaltou a fixação de tarifas pela empresa e que as rotas, apesar de aparentemente livres, não o são porque os clientes não aceitarão uma rota diferente se isso levar a uma tarifa mais alta.

O tribunal entendeu que o aplicativo da Uber tem um efeito disciplinador, pois os trabalhadores são classificados e avaliados e que a avaliação afeta o acesso à plataforma e, portanto, às corridas. Uma classificação média baixa pode levar à remoção da plataforma e uma média alta pode alterar o status do trabalhador (platina ou diamante), proporcionando benefícios financeiros aos motoristas. Afirmou que, como reconhecido pela Uber em audiência, a empresa pode alterar as configurações e que isso pode mudar a fila de chamados, estando assim ausente a liberdade empreendedora dos motoristas que a empresa defende existir.

Os magistrados entenderam que embora a Uber enfatize que um motorista pode cancelar uma corrida, o cancelamento regular resulta na exclusão da plataforma e que a recusa por três vezes acarreta a desconexão temporária do trabalhador, ao exclusivo critério da empresa. O tribunal também ressalta que no caso de reclamações de clientes, é a Uber que decide de forma unilateral a solução da controvérsia, inclusive podendo fazer ajustes à tarifa acordada.

Assim, o algoritmo da Uber tem um incentivo financeiro e um efeito disciplinador e instrutório. “O fato de os motoristas serem, em certa medida, livres para recusar uma corrida, podem determinar seus próprios horários e podem usar simultaneamente diferentes aplicativos ou outros tipos de sistemas de reserva de viagens não altera isso. Assim que fazem uso do aplicativo Uber e estão conectados a ele, estão sujeitos à operação do algoritmo projetado por Uber, e, portanto, estão sob a “subordinação moderna” da Uber.

A lei holandesa impõe que há obrigatoriamente uma relação de emprego quando há a presença de três requisitos: trabalho pessoal, remuneração e subordinação.

Em relação ao primeiro requisito, a decisão afirma que não há dúvida que há uma prestação pessoal de trabalho dos motoristas para a Uber, pois estes transportam os passageiros para a empresa e que esta tem direito a uma porcentagem do preço da viagem. O tribunal entendeu que a Uber não é “meramente uma empresa de tecnologia que administra uma plataforma na qual os usuários podem entrar em contato uns com os outros e celebrar acordos entre si”, pois os motoristas devem concordar com as condições estabelecidas pela Uber e que os serviços de transporte formam o núcleo das atividades da Uber”. Os magistrados ressaltaram que “toda a organização da Uber está voltada para garantir que seja feito o maior número possível de viagens e que haja motoristas ativos em todos os dias e em todos os momentos para realizar as viagens para ela. Esse é o modelo de negócios da Uber”.

“A circunstância de que a relação com os motoristas é feita por Uber na forma de uma assinatura do aplicativo Uber e os motoristas pagam uma comissão de 25% do preço da viagem pelo uso desse aplicativo, não torna isso diferente. A questão é que os motoristas realmente realizam o transporte de pessoas oferecido por meio do aplicativo para a Uber.”

O tribunal afirmou ainda que “Além da questão de se aplicar o requisito de que o trabalho deve ser executado pessoalmente ou que a execução pessoal do trabalho deve ser considerada como um poder de direção e, portanto, como subordinação, percebe-se que Uber verifica explicitamente por meio de uma fotografia de si mesmo a ser tirada pelos motoristas se eles executam o trabalho pessoalmente. O fato de que a razão subjacente é a exigência legal de que um motorista deve ter as licenças acima mencionadas e que, portanto, um motorista não pode se permitir ser substituído não faz nenhuma diferença. É um fato estabelecido que um motorista realiza uma viagem que ele aceita pessoalmente.”

Em relação à remuneração, entendeu a decisão que a tarifa é recebida pela Uber, que faz as deduções e repassa o restante ao trabalhador, sendo caracterizada a remuneração, não tendo qualquer relevância o nome do pagamento.

Em conclusão, os magistrados entenderam que as partes acordaram somente “no papel” que os motoristas trabalhariam como autônomos. “Pode ser que (alguns) motoristas realmente tivessem a intenção de fazê-lo, mas em determinadas circunstâncias essa intenção deve ser colocada em perspectiva, já que terá sido motivada principalmente pelo desejo de trabalhar para Uber, a parte economicamente consideravelmente mais forte. Como discutido acima, a combinação do sistema criado por Uber leva ao fato de que o desempenho real tem todas as características de um contrato de trabalho. Nesse caso, a “essência” prevalece sobre a “aparência” e, sob a perspectiva da natureza obrigatória da legislação trabalhista e da proteção da posição mais fraca do trabalhador a redação escolhida no contrato deve ser analisada.” Em seguida afirmou que os contratos entre a Uber e os motoristas que pessoalmente se engajam perante a Uber devem ser qualificados como de contrato de trabalho.

O tribunal determinou a aplicação da Convenção Coletiva firmada pela Federação, mesmo que a Uber não tenha dela participado e condenou ainda a Uber a pagar à entidade sindical 50 mil euros, sendo 25 mil euros de danos materiais e 25 mil euros por danos morais, pois a Corte entendeu ser “indiscutível que a FNV sofreu danos à sua reputação e perda de poder de recrutamento como resultado do não cumprimento do Acordo Coletivo por parte de Uber.”

A decisão pode ser recorrida, mas é aplicável de imediato até que sobrevenha decisão em sentido contrário.

Essa não é a primeira decisão coletiva na Holanda. Em fevereiro deste ano, no Tribunal Recursal de Amsterdã, foi reconhecido, em ação do mesmo sindicato, o vínculo empregatício de entregadores da Deliveroo.

Esta decisão também vai ao encontro das decisões das cortes superiores da EspanhaFrança e Alemanha, bem como de decisões de última instância na Suíça, todas entendendo pelo vínculo de emprego de trabalhadores em plataformas digitais pela utilização da subordinação contida no algoritmo dessas empresas.

Para a leitura da decisão completa, você pode encontrá-la aqui.

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