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Uber: tribunais veem “manipulação de jurisprudência” e começam a decidir a favor de motoristas

Publicado originalmente em Brasil de Fato

Decisões em TRTs de quatro regiões diferentes mostram que a Justiça está de olho nas estratégias da empresa

Por Daniel Giovanaz
Brasil de Fato | São Paulo (SP)

Juízes e desembargadores brasileiros começam a abrir os olhos para a estratégia de “manipulação da jurisprudência” supostamente adotada pela empresa estadunidense Uber. Ao identificar o fenômeno, quatro tribunais já proferiram decisões favoráveis aos motoristas que alegam vínculo empregatício no último ano.

O movimento representa uma mudança de tendência nas cortes do país. Até 2020, por meio de acordos com os trabalhadores, a Uber conseguia evitar que sentenças contrárias a seus interesses fossem proferidas no Brasil.

Leia também: Primeiro motorista a processar a Uber no Brasil: “O algoritmo é o novo capataz”

Um dos objetivos da Justiça do Trabalho é a pacificação dos conflitos. Isso não significa que a conciliação entre as partes deva ser obtida a todo custo, segundo o advogado José Eduardo Resende Chaves Júnior, desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3).

“Uma das exceções é justamente quando se utiliza estrategicamente a conciliação para que não se crie uma jurisprudência contra determinada empresa. Então, ela mapeia [os tribunais] através de algoritmos de previsibilidade, e sabe onde vai ganhar e onde vai perder”, explica.

“Onde ela acha que vai perder o processo, faz acordo. Onde acha que não vai perder, não faz. Com isso, só se cria jurisprudência a favor da empresa”, completa o especialista.

O caso mais recente ocorreu na semana passada, quando a 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1), no Rio de Janeiro, se recusou a homologar um acordo entre a Uber e uma motorista e condenou a empresa a assinar a carteira da trabalhadora entre dezembro de 2018 e maio de 2019.

Decisões semelhantes já haviam sido proferidas no TRT3, em Minas Gerais, o TRT11, em Amazonas e Roraima, e no TRT15, em Campinas (SP).

No caso mencionado, no TRT1, a condenação da Uber também incluiu pagamento de horas extras, 13º salário, férias, aviso prévio, FGTS e indenização por dano moral.

Histórico

A suposta estratégia de manipulação da jurisprudência foi analisada teoricamente no Brasil pela primeira vez em 2018, na dissertação Da máquina à nuvem: caminhos para o acesso à justiça pela via de direitos dos motoristas da Uber.

A pesquisa, realizada pela mestranda Ana Carolina Reis Paes Leme e orientada pela professora Adriana Sena na Faculdade de Direito de Minas Gerais (UFMG), investigou processos trabalhistas abertos contra a empresa até julho daquele ano.

No último dia 20 de abril, a 11ª Câmara do TRT15 recuperou dados da pesquisa de Paes Leme ao decidir contra a Uber em processo aberto por um motorista de Campinas.

“A estratégia da reclamada de celebrar acordo às vésperas da sessão de julgamento confere-lhe vantagem desproporcional porque assentada em contundente fraude trabalhista extremamente lucrativa, que envolve uma multidão de trabalhadores e é propositadamente camuflada pela aparente uniformidade jurisprudencial, que disfarça a existência de dissidência de entendimento quanto à matéria, aparentando que a jurisprudência se unifica no sentido de admitir, a priori, que os fatos se configuram de modo uniforme em todos os processos”, diz a decisão.

Freando avanços

O advogado José Eduardo Resende Chaves Júnior, que participou da banca de mestrado de Paes Leme na UFMG, ressalta a gravidade da prática alegada pelos tribunais e descrita naquela pesquisa.

“A manipulação da jurisprudência cria uma falsa impressão de segurança e estabilidade jurídica, mas é uma sonegação absurda de direitos. Então, a percepção desse fenômeno por parte da Justiça é muito importante.”

“Além de sonegar direitos aos trabalhadores, essa manipulação impede o avanço da própria legislação a partir de decisões judiciais, como ocorre em vários países”, diz.

Chaves cita como exemplo a Espanha, onde passou a ser admitida a presunção do vínculo trabalhista no caso de trabalhadores de plataformas digitais.

Outro lado

Em notas à imprensa, a Uber informou que decidiu recorrer dos dois casos citados, no TRT1 e no TRT15, contra o que avalia ser “um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio Tribunal Regional e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) – o mais recente deles no mês de maio.”

O TST reconheceu, em quatro julgamentos diferentes, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros.

“A afirmação de que a Uber usa técnicas de ‘manipulação da jurisprudência’ não se sustenta quando confrontada com a realidade. Do total de ações contra a Uber finalizadas até 2020, cerca de 10% resultaram em acordos, índice que representa menos da metade do que ocorre na Justiça do Trabalho (24%) e também é inferior ao total de todo o Poder Judiciário no país (13%), de acordo com o mais recente relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça”, completou a empresa em nota.

A multinacional alega ainda que os motoristas não são empregados nem prestam serviço à empresa, mas sim, “profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo.”

Edição: Leandro Melito

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