Publicado originalmente em migalhas.com.br
A Portaria 3.665/23 do Ministério do Trabalho e Emprego altera as regras de trabalho em domingos e feriados, afetando especialmente o comércio, exigindo atenção para autorização via negociação coletiva e levando muitos a considerar buscar soluções judiciais.
O descanso semanal remunerado possui previsão na Constituição Federal – CF e na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, recaindo preferencialmente aos domingos e cujo trabalho sempre teve atenção especial ou precedida de autorização, seja em norma ou via negociação com os sindicatos envolvidos. Além disso, há outras normas esparsas, como a lei 605/49.
No dia 14 de novembro de 2023 foi publicada uma nova norma, a Portaria 3.665/23 do Ministério do Trabalho e Emprego, a qual altera as regras de trabalho em domingos e feriados, impactando em especial e substancialmente o comércio.
Em resumo: diversas atividades do comércio deverão se atentar para que a negociação coletiva autorize o trabalho em domingos e/ou feriados, preocupação que boa parte do comércio não precisava mais pela autorização já existente em alguma norma. Antecipando alternativas, uma saída pode ser buscar o Poder Judiciário.
Ocorre que em uma coletiva de imprensa realizada no último dia 22 de novembro, uma semana após a edição da nova portaria, o Ministro Luiz Marinho informou que iria suspender a vigência da nova norma para 2024, editando então a Portaria 3.708 no dia seguinte, 23 de novembro de 2023.
Ou seja, a “nova” Portaria 3.665/23 permanece com a mesma redação, e consequentemente críticas, mas só entrará em vigor em 01º de março de 2024, por ora.
Com o anúncio, o Ministério do Trabalho reconhece, mesmo que indiretamente, a “confusão” causada com a publicação, talvez a sua prematuridade, além do impacto nos negócios e a necessidade de conversas mais aprofundadas sobre o tema.
Relevante lembrar que a portaria foi publicada e estava em vigência um dia antes do feriado de 15 de novembro – Proclamação da República – e 21 de novembro – Consciência Negra, um timming extremamente arriscado e desnecessário, causando comoção e desgaste nas empresas. Em especial o Varejo, principal afetado pela então “nova” Portaria 3.665/23 e que já não teve um 2023 fácil, o “vai e vem” normativo apenas causa mais insegurança jurídica.
Essas mudanças não são novidade. Em 2021 o decreto 10.854 (que regulava diversos outros temas trabalhistas, chegando até a ficar conhecimento como Marco Regulatório Trabalhista) tratou do tema de domingos e feriados e fez referência a também uma nova Portaria 671/21 (em vigor), a qual, em resumo: (i) Trata do procedimento para a autorização transitória para trabalho em domingos e feriados; (ii) Trata da autorização permanente e traz um anexo (Anexo IV) específico com uma listagem de atividades que já teriam autorização permanente ao trabalho nos domingos e feriados no comércio, indústria e outros setores; (iii) Em especial, quanto ao comércio em geral, estipula que o descanso semanal deverá coincidir, pelo menos, uma vez no período máximo de três semanas com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva, nos termos da Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000.
Ocorre que com a edição desta nova Portaria 3.665/23 e sua futura vigência, as seguintes atividades do Comércio terão sua autorização permanente revogada, isto é, foram retiradas do Anexo IV da Portaria nº 671, quais sejam: varejistas de peixe; varejistas de carnes frescas e caça; varejistas de frutas e verduras; varejistas de aves e ovos; varejistas de produtos farmacêuticos (farmácias, inclusive manipulação de receituário); Mercados, comércio varejista de supermercados e de hipermercados, cuja atividade preponderante seja a venda de alimentos, inclusive os transportes a eles inerentes; comércio de artigos regionais nas estâncias hidrominerais; comércio em portos, aeroportos, estradas, estações rodoviárias e ferroviárias; comércio em hotéis; comércio varejista em geral; atacadistas e distribuidores de produtos industrializados; revendedores de tratores, caminhões, automóveis e veículos similares.
Com isso, para as atividades acima retornar-se-á a necessidade de atenção à negociação coletiva com o sindicato, confirmando se a norma coletiva aplicável já autoriza o trabalho em domingos e feriados, por exemplo, ou se há necessidade de um acordo coletivo específico, bem como se há alguma lei específica no município de atividade que regule o cenário.
Para o comércio em geral e atividades não especificadas acima, aplicaremos a regra geral prevista na lei 10.101/00, ou seja: (i) Trabalho aos domingos: comércio em geral já possui autorização, desde que observada a legislação municipal; e (ii) Trabalho nos feriados: autorização é via negociação coletiva e desde que observada a legislação municipal.
A grande questão e que pode ser pauta de uma ação judicial específica é se a Portaria tem competência para revogar atividades específicas do Comércio quando uma lei já autorizava o trabalho em domingos, ao menos no comércio em geral.
Uma ação judicial via mandado segurança, por exemplo, pode pleitear a manutenção da autorização antes em vigor, além da abstenção dos órgãos fiscalizadores quanto ao tema. Uma forma de dar mais segurança jurídica a quem o trabalho nessas datas é tão crucial face as inúmeras novidades e movimentações do Governo.
Com a suspensão, resta aguardar se a redação da Portaria se manterá a mesma e para o futuro a recomendação é atenção e foco na negociação coletiva, mas uma via válida pode ser buscar o Poder Judiciário para questionar a competência da Portaria e viabilizar o negócio, operação e econômica.
Por Fernanda Muniz Borges – Sócia da área de Consultoria Trabalhista do FAS Advogados – Focaccia, Amaral e Lamonica Advogados.