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REFLEXÕES JURÍDICAS SOBRE A NOVA FIGURA DO EMPREGADO HIPERSUFICIENTE TRAZIDA PELA REFORMA TRABALHISTA

INTRODUÇÃO

A Reforma Trabalhista foi implementada no Brasil em 2017 pela Lei 13.467/2017.  A Reforma Trabalhista não alterou somente a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, mas também a Lei  6.019, de 3 de janeiro de 1974, a Lei 8.036, de 11 de maio de 1990, e a Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

Ao todo, a reforma trabalhista alterou aproximadamente 97 artigos da CLT e 7 artigos de outras normas. O Projeto de Lei 6.787/2016, que originou a Reforma Trabalhista, foi apresentado pelo Poder Executivo, em 23 de dezembro de 2016, sob a forma do Projeto de Lei 6.787/2016. O projeto inicial apresentado abrangia a alteração de 7 (sete) artigos da CLT. Foi apresentado um projeto substitutivo em 12 de abril de 2017, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, com mais de 100 alterações.

No Senado, o projeto de lei ganhou o número 38/2017, sendo aprovado pelo Senado Federal, em 12 de julho, sem alterações ou aperfeiçoamentos, vindo a ser sancionada pelo presidente da República a Lei 13.467/2017, no dia 13 de julho de 2017.

Enquanto o Código de Processo Civil foi aprovado em 5 (cinco) anos (publicado em 17/12/2014), a Reforma Trabalhista foi aprovada em menos de 6 (seis) meses. Ainda, enquanto o Código de Processo Civil teve uma vacatio legis de 1 (um) ano, a Reforma teve somente de 120 (cento e vinte) dias, uma vez que entrou em vigor no dia 11/11/2017.

Dentro deste cenário jurídico de nítida pressa e escassez de debates, a Reforma regulamentou a nova figura jurídica do empregado hipersuficiente, acrescentando o parágrafo único ao artigo 444 a CLT.

A seguir, estudaremos o conceito legal de empregado hipersuficiente introduzido pela Reforma Trabalhista.

 

CONCEITO LEGAL DE EMPREGADO HIPERSUFICIENTE

Segundo o parágrafo único do artigo 444 da CLT, trazido pela Reforma Trabalhista, o empregado hipersuficiente é todo empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, conforme redação do referido dispositivo transcrita a seguir:

Art. 444, parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso do empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (NR)

Numa interpretação literal e gramatical, estes requisitos são cumulativos para o trabalhador hipersuficiente: trabalhador intelectual (portador de diploma de curso superior) com padrão superior de rendimentos (salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social).

Thereza Cristiana Nahas[1] traz interessante classificação dos empregados após a Reforma trabalhista:

a) o trabalhador desqualificado, que, sendo portador da relação empregatícia, configura-se como destinatário do aludido diploma laboral;

b) o trabalhador qualificado, nele se englobando aquele que possui diploma de nível superior e, ainda, receba remuneração mais alta; e,

c) o trabalhador autônomo, que se adéqua a legislações diversas da Consolidação das Leis do Trabalho.

A autora acrescenta a seguinte explicação: “A eles aplicam-se as regras da CLT, mas não com a mesma rigidez e parcialidade destinadas àquele primeiro, pois é incontestável que tem um mínimo de discernimento e certamente tem maior liberdade para contratar”.[2]

Dados da realidade brasileira evidenciam que esse grupo de empregados corresponde a um percentual muito pequeno da população brasileira, uma vez que apenas 14% dos adultos entre 24 e 64 anos haviam concluído o ensino superior no Brasil, segundo levantamento da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).[3]

Pois bem, indagar-se-ia: quem é esse empregado qualificado intitulado de hipersuficiente pela Reforma Trabalhista? Seriam os altos empregados assim considerados os altos executivos de grandes empresas, com poderes estatutários e/ou contratuais ilimitados, com salários contratuais diferenciados e numerosos (salários altíssimos, bônus anuais estratosféricos, planos de opção de compra de ações, benefícios vultuosos, dentre outros)?

A propósito, um médio empregado, como por exemplo um gerente, sem poderes estatutários e com poderes limitados, sem um pacote diferenciado de benefícios, pode ser considerado como empregado hipersuficiente?

A partir de uma análise objetiva do novo dispositivo legal acima, resta claro que empregado hipersuficiente não é sinônimo de alto empregado, uma vez que um dos critérios definidores da legislação reformista é o padrão remuneratório que obviamente foge do padrão dos altos executivos.

Confira abaixo a remuneração média anual dos diretores dos maiores bancos do Brasil[4]:

Itaú
Diretoria
Maior salário anual: R$ 40.918.000,00
Remuneração média anual: R$ 13.505.633,00

Bradesco
Diretoria
Maior salário anual: R$ 15.952.500,00
Remuneração média anual: R$ 6.915.116,48
 

Logo, qual seria então o perfil de empregado que percebe atualmente um salário superior a R$11.000,00 (onze mil reais)[5] – padrão remuneratório do hipersuficiente?

Segunda a pesquisa LoveMondays[6], o salário médio bruto mensal de um gerente de Tecnologia da Informação (TI) é R$11.000,00 (onze mil reais). Logo, conclui-se que um médio empregado, como por exemplo, um gerente de TI, poderia ser considerado um empregado hipersuficiente pela Reforma Trabalhista, portanto, este conceito não é restrito aos altos empregados.

Comungando do mesmo entendimento, Maurício Godinho Delgado[7] afirma que:

Note-se que a Lei da Reforma Trabalhista não está se referindo aos altos executivos de grandes empresas, com poderes estatutários e/ou contratuais impressionantes, além de ganhos contratuais diferenciados e estratosféricos (entre salários, verbas não salariais, a par de utilidades e benefícios diversos). Não: a nova regra legal está se reportando simplesmente aos empregados que sejam portadores de diploma de curso superior e que percebam salário mensal igual ou superior ao dobro do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social.

Após essa importante reflexão, estudaremos os poderes conferidos pela Reforma Trabalhista aos empregados hipersuficientes.

 

PODERES CONFERIADOS AOS EMPREGADOS HIPERSUFICIENTES

Segundo o parágrafo único do art. 444 da CLT, o empregado hipersuficiente pode negociar livremente seus direitos trabalhistas com o empregador (livre estipulação das relações contratuais), nas hipóteses exemplificativamente arroladas no art. 611-A da CLT, prevalecendo sua negociação individual sobre a lei e as normas coletivas.

Induvidosamente, a autonomia da vontade ganhou relevo com a Reforma Trabalhista, de tal modo que é possível que a figura do hipersuficiente possa livremente estipular sobre diversos direitos, cuja atuação comportará a mesma eficácia legal e preponderância quando comparados aos instrumentos coletivos.

A alteração legislativa objetiva autorizar que as partes, em contrato individual, possam fazer a mesma negociação estabelecida entre sindicatos ou sindicatos e empregadores.

Nessa perspectiva, Araújo Jr. e Barroso[8] explicam que “o trabalhador hipersuficiente poderá proceder de maneira a negociar de maneira livre, diretamente com o empregador, as condições estabelecidas no artigo 611-A, como, por exemplo, o tele trabalho, o sobreaviso, além das modalidades referentes à remuneração”.

Trata-se de uma opção no mínimo ousada do legislador e paradigmática para o Direito do Trabalho, porque concede ao empregado, individualmente considerado, o “poder” de negociar banco de horas, intervalo intrajornada, aplicação do adicional de insalubridade, prêmios de incentivo, modalidade de registro de jornada etc., conforme autorizado no novo art. 611-A da CLT.

Além disso, perceba que há uma sutil diferença entre o art. 444, parágrafo único, sobre a livre estipulação do empregado hipersuficiente, e o art. 507-A, sobre a cláusula compromissória de arbitragem, na forma do artigo 507-A:

Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

Veja-se que ambos exigem a faixa salarial acima do dobro do teto da Previdência, mas somente na figura do hipersuficiente exige que o empregado tenha, também, o diploma de ensino superior.

Portanto, há 2 (duas) possíveis conclusões: (i) o legislador reformista cometeu um erro na redação do artigo 507-A e se esqueceu de acrescentar o critério de “ser portador de curso de nível superior”; ou (ii) entendeu que para celebração de cláusula compromissória de arbitragem bastava somente o critério do padrão remuneratório superior aos demais empregados.

Homero Batista Mateus da Silva[9] traz sua opinião sobre esta sutil diferença entre o art. 444, parágrafo único, sobre a livre estipulação do empregado hipersuficiente, e o art. 507-A da cláusula compromissória de arbitragem:

Talvez o legislador tenha entendido que a livre estipulação com patamar de negociação coletiva necessite maior discernimento do empregado, mas isso é uma presunção relativa e bastante frágil, mormente se a gente se lembrar da queda livre em que se encontra a qualidade dos bacharelados brasileiros e a proliferação dos cursos vagos, à distância e sem compromisso com o conteúdo. Mas isso pertence a outro âmbito de discussão.

Críticas não faltam para a esta nova figura jurídica do hipersuficiente, pois o legislador inaugurou um novo instituto jurídico, aquele em que a condição socioeconômica e/ou a formação cultural/educacional da parte pode determinar o regime contratual aplicável.

Silvia Isabelle Ribeiro Teixeira do Vale[10] alerta que o grande problema é que “a linha de corte para diferenciar os trabalhadores hipersuficientes estabelecida pela Reforma Trabalhista –– é relativamente baixa e não necessariamente reflete a autonomia negocial que o art. 444 almejou”.

A seguir, analisaremos a posição doutrinária e jurisprudencial a respeito.

 

POSIÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

A edição do parágrafo único do artigo 444 quis prestigiar a negociação prévia e a autonomia da vontade das partes. Contudo, a doutrina e jurisprudência trabalhista têm apontado uma série de obstáculos jurídicos, e até constitucionais, para sua implementação.

Gustavo Filipe Barbosa Garcia[11] defende que a norma não passa pelo crivo de constitucionalidade:

Segundo exigência constitucional, apenas por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo, com a participação do sindicato da categoria profissional em negociação coletiva, é que se permite flexibilizar certos direitos trabalhistas de forma menos benéfica ao empregado (art. 7º, incisos VI, XIII, XIV, XXVI, e art. 8º, incisos VI, da Constituição da República).  Assim, a autonomia da vontade no âmbito trabalhista, notadamente no plano individual, não pode ser exercida sem limites, em prejuízo aos direitos fundamentais e determinações legais de ordem pública, a serem aplicadas a todos os tipos de empregados, sob pena de afronta aos princípios da igualdade e da legalidade (art. 5º, caput, e inciso II, da Constituição da República).

Garcia complementa afirmando que numa interpretação conforme a Constituição do art. 444, parágrafo único, da CLT, a livre estipulação das relações contratuais de trabalho, mesmo no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, apenas tem validade quando respeitar as previsões legais e negociadas coletivamente e estabelecer patamar superior de direitos trabalhistas.[12]

Na mesma linha de pensamento, Maurício Godinho Delgado[13] entende que este novo dispositivo afronta as normas constitucionais de forma literal e direta, apontando os seguintes dispositivos constitucionais como violados: proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos (art. 7º, XXXII), além do princípio geral antidiscriminatório (art. 1º. III, art. 3º, IV e art. 5º, caput, da CF).

Gustavo Filipe Barbosa Garcia[14] traz importante comparação com o Direito Civil: “objetiva-se autorizar a plena e ilimitada autonomia individual da vontade, em moldes já ultrapassados até mesmo no Direito Civil mais tradicional, quanto a empregados que tenham formação intelectual e maior patamar remuneratório”.

Maurício Godinho Delgado[15] alerta sobre os riscos de precarização trabalhista:

[…] por livre estipulação, podem ser submetidos à profunda diminuição de direitos especificada no art. 611-A da CLT, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos. Ora, como o contrato de trabalho se trata, manifestamente de um contrato de adesão, pode se estimar o caráter leonino de tal cláusula de inserção desse grupo de empregados em condições contratuais abaixo das fixadas em lei e, até mesmo, abaixo das fixadas na negociação coletiva concernente à respectiva categoria profissional.

Quanto à questão da discriminação e segregação, Maurício Godinho Delgado[16] sustenta ainda a seguinte posição:

O caráter discriminatório da regra legal é simplesmente manifesto; ela institui algo inimaginável na ordem constitucional e leis brasileiras contemporâneas: a pura e simples segregação de empregado perante o mesmo empregador. A discriminação, no caso, evidencia-se não apenas em face de ser erigida a partir da qualificação intelectual e científica do empregado (aquilatado. critério bastante curioso: quanto mais qualificado for o empregado, mais discriminado será), como também a partir de parâmetro econômico modesto, desarrazoado, desproporcional (ganho salarial mensal e correspondente apenas ao dobro do teto de benefícios do INSS). Ora, a diferenciação jurídica é tolerada no Direito – deixando de ser discriminatória – apenas caso ocorra por motivo realmente consistente, legítimo, essencial, imprescindível.[17]

De se ver que a jurisprudência trabalhista é quase inexistente no tema, seja porque é ainda bastante recente a vigência da reforma trabalhista, seja porque há riscos de sucumbência de empregados com mais alto padrão remuneratório.

Em nossa pesquisa jurisprudencial junto aos tribunais, foi encontrada somente a seguinte ementa, muito embora não é específica sobre empregado hipersuficiente:

VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONTRATO DE CESSÃO DE QUOTAS E OUTRAS AVENÇAS ATRAVÉS DE PESSOA JURÍDICA. O reclamante e seu sócio pactuaram um Contrato de Cessão de Quotas e Outras Avenças com a Brasil Insurance, através do qual os cedentes permaneceram os acionistas da Cessionária, ainda que na proporção de 0,01% cada (item V.vi), e receberam o valor de R$2.394.520,00 (dois milhões, trezentos e noventa e quatro mil e quinhentos e vinte reais), e mais parcelas pagas em 2012, 2013, 2014, estas consoantes valores auditados e fator multiplicador (cláusula terceira). A prova oral é no sentido de que o autor e seu sócio negociaram os termos do contrato de cessão, inclusive valores e condições, evidenciando que se trata de uma relação pactuada entre iguais, que muito distancia do relacionamento entre hipo e hipersuficiente averiguada em uma nítida relação empregatícia. Recurso do reclamante improvido. (TRT-2 10023750520165020037 SP, Relator: Rosa Maria Zuccaro, 10ª Turma – Cadeira 3, Data de Publicação: 05/10/2018)

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) publicou, em 2018, enunciados sobre a Reforma Trabalhista em sua 2ª jornada sobre Direito Material e Processual do Trabalho, sendo que o enunciado[18] sobre o trabalhador “hipersuficiente” é no seguinte sentido:

TRABALHADOR HIPERSUFICIENTE. ART. 444, PARÁGRAFO ÚNICO DA CLT. I – O parágrafo único do art. 444 da CLT, acrescido pela Lei 13.467/2017, contraria os princípios do direito do trabalho, afronta a Constituição Federal (arts. 5º, caput, e 7º, XXXII, além de outros) e o sistema internacional de proteção ao trabalho, especialmente a Convenção 111 da OIT. II – A negociação individual somente pode prevalecer sobre o instrumento coletivo se mais favorável ao trabalhador e desde que não contravenha as disposições fundamentais de proteção ao trabalho, sob pena de nulidade e de afronta ao princípio da proteção (artigo 9º da CLT c/c o artigo 166, VI, do Código Civil). (Enunciado Aglutinado nº 1 da Comissão 4)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

No Direito Comparado, buscou-se identificar por meio de novas figuras jurídicas de trabalhadores, como a parassubordinação (Direito italiano) e o autonomo dependente (Direito espanhol), as mudanças das relações de trabalho que foram trazidas pelas 3ª Revolução Industrial: Tecnológica.

No Direito estrangeiro, o objetivo foi avançar da concepção binária “autonomia-subordinação”, para uma concepção tridimensional “autonomia-parassubordinação-subordinação”, com o objetivo de afastar as chamadas zonas cinzentas das relações de trabalho, também conhecidas como “zonas grises”.

O escopo nunca foi a diminuição de direitos trabalhistas, e sim uma busca para reconhecer juridicamente situações que fogem da clássica divisão entre trabalho autônomo e subordinado, e que, portanto, reclamam também uma proteção diferenciada.

O Direito italiano inovou ao reconhecer o trabalho parassubordinado em algumas formas específicas de contrato, como o trabalho por colaboração coordenada e continuada, por colaboração com um projeto, por colaboração ocasional e por associação de participação.

O trabalho parassubordinado, no Direito italiano, possui um rol de direitos trabalhistas mínimos assegurados inferiores àqueles garantidos ao empregado subordinado, ou seja, uma proteção trabalhista mínima e diferenciada.

Já o Direito espanhol, por meio da Lei 20/2007 e do Real Decreto 197/2009, criou-se a figura do trabalhador autônomo economicamente dependente, definido pelo artigo 11 da mencionada lei como aquele que “realiza uma atividade econômica ou profissional a título lucrativo e de forma habitual, pessoal, direta e predominantemente para uma pessoa física ou jurídica, denominada cliente, da qual depende economicamente em virtude de receber dela ao menos 75% de seus rendimentos de trabalho e de atividades econômicas ou profissionais”.

Nota-se que no caso espanhol a lei atribuiu centralidade à dependência econômica na criação da nova figura jurídica, afastando a necessidade de haver subordinação jurídica, como ocorre na relação de emprego clássica. Também previu direitos trabalhistas mínimos a este tipo trabalhador.

Infelizmente, no Brasil, a única diferenciação atribuída ao trabalhador hipersuficiente trabalhista introduzido pela Reforma Trabalhista foi o critério de diferenciação dos trabalhadores por padrão remuneratório e nível intelectual. Não houve nenhuma preocupação com o nível de dependência deste trabalhador na relação de emprego; ao revés o trabalhador hipersuficiente continuou como empregado subordinado nos moldes do art. 3º da CLT.

Este foi, sem dúvida, o fator que, por si só, atraiu críticas cirúrgicas da doutrina trabalhista sobre sua ausência. Na prática, de autonomia individual para negociação de direitos contratuais e, quiçá, direitos coletivos.

Além disso, tampouco houve preocupação do legislador brasileiro de conferir uma proteção trabalhista intermediária entre o empregado subordinado e o trabalhador autônomo. Pelo contrário, o legislador reformista deixou para o trabalhador hipersuficiente subordinado negociar seus próprios direitos trabalhistas como o empregador autossuficiente e hipersuficiente, levando ao risco de diminuição ou exclusão total de direitos trabalhistas.

Desta forma, à luz de todo acima exposto e da experiência do direito estrangeiro, não há como defender academicamente a nova figura jurídica recém-criada pela Reforma Trabalhista do trabalhador hipersuficiente, tampouco como aplaudir a iniciativa do legislador reformista brasileiro.

Por fim, resta aqui deixar uma lição para o nosso Poder Legislativo: a pressa é a inimiga da perfeição!

 

 

Notas e Referências

CALVO, Adriana. Diretor de sociedade anônima: patrão-empregado? São Paulo: LTr, 2006.

……………………….., Manual de Direito do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: Ltr, 2019.

ARAUJO JR., Marco Antonio; BARROSO, Darlan. Reforma Trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 17ª.. ed. São Paulo:

LTr, 2018.

————————-, A Reforma Trabalhista no Brasil com os comentários da Lei 13.467/2017. São Paulo: Ltr, 2017.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma Trabalhista: 2ª ed. ver., Salvador: Ed.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

NAHAS, Thereza. Novo Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 35. ed. São Paulo: LTr, 2009.

ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho Esquematizado. 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 2014.

SILVA, Homero Batista Mateus da Silva. Comentários à Reforma Trabalhista, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

VALE, Silvia Isabelle Ribeiro Teixeira do. A Reforma Trabalhista e o Hipersuficiente. Disponível em: http://www.amatra5.org.br/images/a/A%20REFORMA%20TRABALHISTA%20E%20O%20%20HIPERSUFICIENTE_.pdf. Acesso em 08/02/2019.

 

[1] NAHAS, Thereza. Novo Direito do Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 17.

[2] Op. cit, p. 17-18.

[3] Relatórios Econômicos da OCDE Brasil. Novembro de 2015. Resumo em Português. Disponível em: http://www.oecd.org/eco/surveys/Brasil-2015-resumo.pdf. Acesso em 01.fev.2018

[4] Disponível em https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2018/06/quanto-ganham-os-principais-executivos-de-algumas-das-maiores-empresas-do-pais.html. Acesso em 02/02/2019.

[5] Este valor é o considerado à época da entrada em vigor da lei: 11/11/2017.

[6] Disponível em https://www.lovemondays.com.br/salarios/cargo/salario-gerente-de-ti. Acesso em 03/02/2019.

[7] Op. cit. p. 435-436.

[8] ARAUJO JR., Marco Antonio; BARROSO, Darlan. Reforma Trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 4.

[9] SILVA, Homero Batista Mateus da Silva. Comentários à Reforma Trabalhista, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 66.

[10]Disponível em http://www.amatra5.org.br/images/a/A%20REFORMA%20TRABALHISTA%20E%20O%20%20HIPERSUFICIENTE_.pdf. Acesso em 08/02/2018.

[11] Op. cit. p. 400-401.

[12] Op. cit, p. 401-402.

[13] Op. cit, p. 435-436.

[14] Op. cit, p. 400-401.

[15] Op. cit, p.435-436.

[16] Op. cit, p.435.

[17] Op. cit, p. 436.

[18] Fonte: Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

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