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Fantasma do assédio moral ronda o mundo corporativo

Quando o banco em que trabalhavam foi incorporado por outra empresa, Rita e Manuel (nomes fictícios) viram suas vidas se transformarem em um pesadelo. No início, foram transferidos para um sala afastada, sem muita estrutura nem computador, e separados dos demais funcionários. Com a falta de supervisão e sem nenhum objetivo na empresa – já que não recebiam tarefas para cumprir -, passaram a trabalhar desmotivados.

Antônio (também um nome fictício) vive uma situação parecida desde que voltou ao banco depois de uma licença médica. Além da falta de tarefas, ele passou a ser humilhado e ridicularizado pelo chefe. Os colegas acabaram se afastando com medo de serem mal vistos pela chefia, e Antônio se encontra isolado no próprio ambiente de trabalho.

Essas são práticas comuns de assédio moral nas empresas, visando, muitas vezes, forçar os funcionários a se demitirem. Profissionais doentes ou em licença médica estão entre os principais alvos. De forma geral, o assédio é caracterizado por um conjunto de ações repetitivas e prolongadas que ferem o psicológico da vítima. “Isolamento, sonegação de informações necessárias à realização de tarefas, tratamento excessivamente irônico ou rigoroso e a subestimação do esforço são práticas que minam a confiança do trabalhador”, exemplifica Patrícia Sanfelici, procuradora da Justiça do Trabalho.

Esses atos podem ser direcionados a uma pessoa específica ou atingir todo o quadro de funcionários. Neste caso, o assédio é organizacional, ou seja, “um modo de gestão da empresa que é baseado na pressão e no medo, buscando a obtenção das metas e da produtividade dos negócios por meio da tática de constranger os trabalhadores”, como explica Patrícia Sanfelici. O modelo se baseia no estabelecimento de metas abusivas, com a consequente humilhação e ridicularização de quem não consegue atingir os objetivos.

Todos esses atos trazem consequências graves aos trabalhadores, com o possível aparecimento de doenças como a Síndrome de Burnout. Esgotamento físico e emocional, dificuldade de concentração, pressão alta, dores musculares e distúrbios gastrointestinais estão entre os desdobramentos dessa síndrome. O assédio é causa também da depressão, doença que, se não tratada, pode levar ao suicídio. “Nós temos que ter ciência de que o assédio é uma violência e tira totalmente a ideia de que o trabalho dá dignidade”, alerta Patrícia Sanfelici.

A orientação para quem sofre essa violência é evitar ter conversas com o assediante sem a presença de testemunhas. Para a pesquisadora Patrícia Figueredo, “é interessante fazer relatórios que descrevam detalhadamente cada ocorrência, inclusive com datas e testemunhas, assim como arquivar evidências.”

No ambiente corporativo, quando há pouca preocupação com o trabalhador e ausência de diálogo, as organizações ficam mais suscetíveis a essas ocorrências. Por isso, é fundamental que o setor de Recursos Humanos tenha canais de diálogo entre os funcionários e a direção. A recomendação da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RS) é que a empresa tome medidas imediatas, proibindo o assediante de cometer o ato. A entidade também recomenda que, nos casos em que são contratados funcionários para substituir quem estava de licença médica, o gestor divida igualmente as tarefas.

O prejuízo, nesses casos, não é só das vítimas. A punição às empresas também tem crescido. De acordo com levantamento realizado pela advogada Adriana Calvo, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro em sua tese de doutorado na PUC-SP, dos 76 processos pesquisados nos sites dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) do País, 53 resultaram em condenações. Entre as ações individuais, as multas aplicadas ficaram entre R$ 5 mil e R$ 50 mil, valores que variaram entre R$ 700 mil e R$ 1 milhão no caso das ações civis públicas.

Em 2014, as denúncias de assédio moral ao MPT-RS cresceram 25% em relação ao ano anterior, totalizando 390 relatos. Para Patrícia, a conscientização e a confiança da população no Ministério Público encorajaram as denúncias, que podem ser feitas pelo próprio site da instituição (www.prt4.mpt.gov.br). No ano passado, elas resultaram em 53 termos de ajuste de conduta, nos quais as empresas se comprometeram a corrigir o problema. Atualmente, 46 ações de assédio moral do MPT-RS tramitam na Justiça do Trabalho.

Além disso, em um trabalho em que há assédio, o clima fica deteriorado e a produtividade da empresa cai. Para evitar os casos de assédio, é importante que a empresa não negligencie os canais de comunicação com os profissionais. O empregador deve ainda implantar um processo de educação para todos os colaboradores, inclusive os gestores, além de disponibilizar um código de ética.

Caso o problema não seja resolvido, a vítima deve procurar um advogado e ingressar com uma ação no Judiciário. “É importante também fazer a denúncia no Ministério Público do Trabalho, para que nós possamos verificar se esse assédio é pontual ou uma prática da empresa”, aconselha a procuradora. Caso seja constatada a ocorrência de assédio organizacional, o MPT inicia as investigações.

Muitos casos relatados estão ligados à discriminação

Em muitos casos, o assédio moral está ligado à discriminação, explica a procuradora da Justiça Patrícia Sanfelici. Nesse tipo de ocorrência, na qual a vítima é uma pessoa específica, os agressores podem ser tanto os chefes como os próprios colegas. A procuradora destaca que alguns grupos são mais vulneráveis a sofrerem a violência, como as mulheres, a população LGBT e os negros. “A dificuldade em aceitar o diferente leva o assediante a querer fazer crer que aquela pessoa tem menor valor. A agressão faz com que a pessoa assediada se sinta menosprezada, maltratada e violentada na sua individualidade”, afirma.

Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina, Patrícia Figueredo é autora do livro “Assédio moral contra as mulheres nas organizações”, no qual apresenta relatos de operárias de uma fábrica da indústria de plástico. Depois de pesquisar o ambiente de trabalho, ela detectou que as funcionárias eram submetidas a um regime de trabalho repetitivo e que necessitava de muita resistência física, em um caso explícito de violência moral. “Sob uma vigilância incisiva, pausas só eram permitidas quando as máquinas precisavam de reparos e, então, se acendia uma lâmpada para que os homens do setor responsável viessem resolver o problema”, relata a autora. Diferentemente dos empregados do gênero masculino, elas também eram proibidas de conversar entre si e obrigadas a trabalhar isoladas dos outros trabalhadores, voltadas para uma parede. Além disso, eram demitidas periodicamente quando a produção diminuía.

Um caso comum de assédio, que tem ocorrência também no setor de serviços, é a pressão que as mulheres sofrem para não engravidarem. No encontro semanal promovido no Sindbancários, entre os muitos relatos de vítimas, um homem de meia idade confessou que proibia as funcionárias subordinadas a ele de ficarem grávidas. A ordem, segundo o gerente, vinha de cima: “Eu tinha que chamar as mulheres na minha sala e avisar, porque se alguém engravidasse, eu seria demitido ou forçado a trocar de cargo”.

Funcionários terceirizados também são alvos frequentes. “O temor maior de desemprego e de transferências, por exemplo, pode ser utilizado pelos chefes para explorar esses trabalhadores, que estão em uma posição mais vulnerável”, acredita Patrícia Figueredo. Profissionais em menor posição social sofrem ataques mais explícitos, como gritos e censuras agressivas. A violência moral ocorre não apenas por parte da chefia, mas também pelos próprios colegas na mesma posição hierárquica da vítima, ocasião em que é classificado como horizontal.

Sistema financeiro e telemarketing aparecem entre setores mais denunciados

O sistema financeiro e os serviços de telemarketing estão entre os segmentos que mais apresentam denúncia de assédio moral, segundo Patrícia Sanfelici, procuradora da Justiça do Trabalho. Estudo divulgado pelo Ministério Público do Trabalho mostra que alguns fatores facilitam a prática da violência nos ambientes bancários, como a estrutura hierarquizada, a burocracia excessiva e a discrepância entre a jornada de trabalho real e a jornada de trabalho formal.

Uma pesquisa feita em 2011 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) revelou que 66% dos 27.644 bancários ouvidos já sofreram algum tipo de assédio. Funcionários de instituições financeiras relatam suas experiências em uma reunião semanal promovida todas as quartas-feiras pelo Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (Sindbancários).

“A mulher do recursos humanos não podia me ver que vinha me oferecer planos de demissão voluntária. Eu tinha que fugir dela sempre”, relembrou Rita (nome fictício) aos cerca de 30 colegas presentes em um dos encontros. “Tudo era motivo para implicar comigo”, relatou outro bancário. O grupo, formado por 200 pessoas, surgiu no início dos anos 2000 por iniciativa dos funcionários do ex-Banco Meridional, que havia sido recentemente privatizado. Nos encontros, os trabalhadores discutiam a pressão que sofriam para pedirem demissão.

Jacéia Netz, assessora em saúde do sindicato, recomenda que a pessoa assediada procure aliados entre os colegas e denuncie as agressões ao sindicato de sua categoria. Além disso, a vítima deve procurar o setor de Recursos Humanos da empresa para relatar o que está acontecendo.

Fonte: Jornal do Comércio

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