Qual a posição da senhora quanto às relações de trabalho entre motoboys e empresas?
Maria Laura – As relações entre motoboys e empresas em geral dependem de uma série de fatores. Há aquelas empresas que eventualmente precisam encaminhar mercadorias por meio de motoboys contratados em empresas especializadas, em cooperativas de mão de obra, ou diretamente – o motoboy autônomo, que não pertence a nenhuma cooperativa ou empresa, mas que é de confiança de quem vai utilizar o serviço dele.
Existem também as empresas que habitualmente entregam mercadorias, como farmácias e comércios em que se compra pelo telefone e recebe pelo motoboy – um trabalho mais habitual.
Já as empresas em que todo dia há entregas para fazer, o trabalho do motoboy passa a ser essencial. Nelas há motoboys cooperados ou empregados, mas também autônomos (sem carteira assinada) que ficam no plantão dentro da própria empresa. Se neste último caso o trabalhador atender com exclusividade a empresa, pode-se considerar que ele só não tem a carteira anotada por acaso, pois deveria ter, e não pode ser considerado autônomo, pois está à disposição durante toda a jornada de trabalho para fazer a entrega.
E quanto aos motofretistas terceirizados das empresas de delivery?
Maria Laura – Nas empresas de delivery o motoboy é essencial. E neste caso não acho correta a terceirização. Fazendo um paralelo, é como se um estabelecimento comercial não tivesse vendedor empregado, só terceirizado. Ou um colégio só com professores terceirizados. Já é da própria da natureza da empresa de delivery que haja uma pessoa para fazer a entrega. Nesse caso acho pouco aceitável terceirizar.
Com a regulamentação da profissão de motoboy pela Lei nº 12.009/2009 passou-se a exigir a idade mínima de 21 anos para o exercício da atividade. A senhora concorda com essa regra?
Maria Laura – Acho que a atividade é de alto risco, em que o profissional fica exposto a um trânsito na maioria das vezes muito agressivo, o veículo dirigido é leve, de alta mobilidade e permite deslocamentos perigosos entre as diversas faixas de trânsito. Eu entendo que o legislador, com essa recomendação, visou proteger o profissional. Porque presume-se que o motorista com 21 anos seja mais amadurecido que o de 18. Mas essa não é a única exigência da lei. O motofretista tem que ter ainda dois anos de habilitação. E a própria lei prevê uma punição para empresas que contratem motoboys que não estejam enquadrados nesses requisitos.
Mas a imposição de uma idade mínima não pode ser considerada discriminação, já que o jovem está apto a tirar carteira de motociclista aos 18 anos?
Maria Laura – Eu acho altamente positiva essa regra da idade. Pois é muito diferente uma pessoa tirar carteira para eventualmente usar uma moto, e outra que fica oito horas trabalhando com a moto. Só do motoboy entrar no trânsito já está exposto ao risco. Se for considerada discriminação, acho que é uma discriminação altamente positiva. As próprias companhias de seguro praticam valores diferenciados de acordo com a idade do condutor do veículo, uma previsão fundamentada no comportamento natural da idade.
O fato dos motofretistas estarem expostos ao sol, chuva e frio gera o direito ao adicional de insalubridade ?
Maria Laura – Não é qualquer pessoa que trabalha a céu aberto, exposto ao sol, que recebe adicional de insalubridade. Um exemplo em que se reconhece é no trabalho dos canavieros – atividade que exige um esforço físico supremo, muito diferente de outras. O motoqueiro que anda na chuva é como o carteiro. Qualquer atividade desenvolvida a céu aberto, com chuva, se o trabalhador usar o equipamento que permita que ele fique seco, não há adicional de insalubridade. Mas se o empregador não fornecer o equipamento, como macacão e bota impermeáveis, é diferente, aí haverá o direito ao adicional. É como no lava-jato, se o trabalhador não estiver devidamente protegido a atividade se torna altamente insalubre.
Nas ações dirigidas à Justiça do Trabalho, quais são as principais solicitações dos motoboys?
Maria Laura – As principais são reconhecimento de vínculo e parcelas advindas do vínculo – férias, décimo terceiro, fundo de garantia. Já os que têm carteira anotada basicamente pedem intervalo intra jornada, hora extra, dano moral e material decorrente de acidente do trabalho.
A senhora acredita que possa haver uma demanda reprimida de pedidos de reconhecimento de vínculo por desconhecimento do direito?
Maria Laura – Não acredito que tenha demanda reprimida. Acho que muitos autônomos preferem trabalhar sem compromisso, horário e dias estabelecidos, donos da sua própria atividade. O que não seria possível se fossem empregados. É muito comum trabalhadores que passaram anos como autônomos recorrerem à Justiça com pedido de vínculo após um desentendimento com a empresa para a qual prestavam serviços. Não acredito que as pessoas se sujeitam a tudo por causa do emprego. Há motoboys que prestam serviços eventuais e acabam pedindo o vínculo na Justiça. Mas há também aqueles que prestam serviço como autônomo porque é a única forma admitida pela empresa. Esses empregadores assumem o risco de certamente, enfrentarem um processo judicial no futuro.
São recorrentes os acidentes de trabalho com motoboys sem vínculo de emprego. Quem é responsável nesses casos?
Maria Laura – A lei 12.009 prevê que a pessoa, seja natural ou jurídica, que firmar contrato de prestação continuada de serviço com condutor de moto é responsável solidária por danos cíveis advindos do descumprimento de normas relativas a essas atividades. Esses contratos devem ser com cooperativas ou empresas de motoboy. Quando o acidente ocorre com motoboy empregado da empresa esta é a responsável. Já no caso do motoboy autônomo a responsabilização será de acordo com a lei acidentária de trânsito, não de acordo com a lei de trabalho.
Mas, no caso em que o motoboy deve ser empregado, e não é, será preciso ele recorrer à Justiça do Trabalho para pleitear o vínculo, e a responsabilização do empregador em consequência do vínculo. Se ele conseguir isto, a empresa é totalmente responsável. Agora, o usuário eventual de motoboy, que não tem contrato continuado, não tem responsabilidade sobre possíveis acidentes. Eu particularmente evito ao máximo usar o serviço de motoboys. Acho um absurdo o número de profissionais nas ruas entre os carros. Acho que a profissão é de risco, e não me sinto tranquila sabendo que tem um motoboy fazendo um serviço para mim e que pode ser vítima ou provocar algum acidente.
Com o atual entendimento do TST que tem reconhecido o vínculo de emprego nos casos envolvendo terceirizações de motoboys, a senhora acha que poderá haver um aumento no número de ações propostas por esses profissionais?
Maria Laura – Acho difícil porque esse reconhecimento não é necessariamente da Justiça do Trabalho como um todo. Pode ser que as Varas do Trabalho de determinados locais, pelas provas, reconheçam muitos vínculos de motoboys. E outras não. Isso vai depender muito do caso concreto.
Fonte: TST