Vinte anos de trabalho em uma grande multinacional e uma demissão sumária, sem direito a despedida dos colegas, recolhimento de materiais de uso pessoal e à devolução da própria carteira de trabalho. A situação é real e aconteceu com um executivo de São Paulo, que denunciou a situação de embaraço e humilhação a qual foi submetida ao Núcleo de Igualdade de Oportunidades e Combate à Discriminação da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) de São Paulo. Por meio do núcleo, o ex-executivo foi buscar uma resposta para demissão e a recuperação de sua carteira de trabalho.
Denúncias de discriminação e assédio moral, raras até alguns anos atrás, começam a ganhar força na Justiça trabalhista – que já possui julgamentos favoráveis aos trabalhadores – e em órgãos como as DRTs, que buscam realizar um trabalho preventivo nas empresas. Em 2003, o Núcleo de Combate à Discriminação paulista realizava em média duas mesas de entendimento entre patrão e trabalhador que por alguma razão denunciou a empresa, três vezes por semana. Hoje, são três mesas, três dias por semana, e uma média de seis denúncias recebidas por semana. “O número de trabalhadores que nos procuram tem crescido porque a conscientização deles em relação aos seus direitos têm aumentado”, afirma o coordenador do núcleo, Sylvio Boscariol Ribeiro.
As mesas são realizadas com os representantes das empresas e o trabalhador, após o recebimento da queixa. Nestes encontros, os funcionários do núcleo buscam um acordo entre o patrão e o empregado com o intuito de cessar o problema. Caso isso não ocorra, e fique comprovado que a empresa realmente praticava os atos denunciados, a questão é encaminhada ao Ministério Público do Trabalho. Isso também acontecerá se a empresa não comparecer à audiência.
De acordo com Ribeiro, das mesas realizadas, 90% são por assédio moral. Nestes casos, as queixas mais comuns são tratamentos vexatórios e humilhantes, como ser chamado de burro ou incompetente, e o isolamento do trabalhador dos demais colegas em salas onde permanecem incomunicáveis. Para ilustrar o exemplo, o coordenador cita a queixa de uma trabalhadora que permaneceu isolada alguns dias em uma sala porque reclamou do excesso de peso que carregava no exercício de suas funções. Ela acabou deixando o trabalho, mas denunciou a empresa à DRT-SP, que realizou uma mesa de entendimento, mas não chegou a nenhum acordo. O núcleo enviou o caso ao Ministério Público do Trabalho. Em outra situação, um camareiro de hotel foi à DRT porque não suportava mais as brincadeiras do gerente em relação ao seu cabelo. Os representantes do hotel compareceram à audiência e se disseram surpresos com o comportamento do gerente, que foi demitido em razão das brincadeiras. “Normalmente, o assédio parte de quem está em cargos de chefia ou de gerência”, afirma. Segundo a chefe da fiscalização da DRT-SP, Roseli Nieto Piovezan, todas as DRTs do país possuem esses núcleos. Em São Paulo ele foi criado em 2001 para orientar tanto as empresas quanto os empregados e promover mediações entre os mesmos.
Para a advogada Adriana Calvo, coordenadora da área trabalhista do Stuber Advogados Associados e especialista no atendimento a executivos e diretores, o núcleo da DRT representa uma alternativa fora do sistema Judiciário para o trabalhador negociar com a empresa. “Hoje o advogado tem que achar formas alternativas de negociação à Justiça do Trabalho, que demora pelo menos oito anos para julgar um processo, frustrando as expectativas do cliente que busca uma resposta rápida ao seu problema”, afirma. Além disso, ela acredita que o encaminhamento do procedimento ao Ministério Público do Trabalho pela DRT – quando apurado que a empresa não agiu corretamente – é uma forma de pressionar a empresa a negociar com o trabalhador. Segundo ela, o Ministério Público do Trabalho pode entrar com uma ação civil pública contra a empresa se comprovada a prática discriminatória ou de assédio moral.
Fonte: Valor Econômico