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Dispensa coletiva e a necessidade de negociação prévia com sindicato representante da categoria profissional

Tipo de dispensa é a rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados

A legislação trabalhista brasileira não trata da demissão coletiva (ou demissão em massa), não havendo sequer definição legal sobre o que seria demissão coletiva, se o conceito estaria ligado a certo percentual ou número de empregados desligados simultaneamente (por diversos motivos ou por um único motivo) ou a seguidas dispensas ao longo de certo lapso temporal, mas fundado no mesmo motivo: econômico, tecnológico ou estrutural.

Para Orlando Gomes, demissão coletiva “é a rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem substituição dos empregados dispensados” (LTR, ano 38, janeiro 1974, p. 575-579).

De acordo com Carlos Alberto Reis de Paula, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, “a dispensa coletiva importa o desligamento simultâneo de número significativo de empregados, movida a empresa por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos” (Revista TST, Brasília, vol. 77, nº 02, abr/jun 2011).

José Pancotti, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, leciona que dispensa coletiva não é forma de dispensa individual plúrima, porque nesta, para cada demitido, pode haver causa diferente e normalmente tem o propósito de substituição do demitido por outro empregado.
Em face da omissão da legislação brasileira, toda vez que uma empresa precisa dispensar vários empregados ao mesmo tempo ou em curto espaço de tempo, seja em razão de crise econômica, seja em razão de reestruturação dos setores, seja em razão da mudança do estabelecimento, sempre há discussão sobre se essa demissão configura-se como coletiva (em razão do número de empregados atingidos pela medida); se o empregador tem ou não o direito de efetuar uma demissão coletiva sem prévia negociação com o sindicato representante da categoria profissional e quais são os critérios que devem nortear a dispensa (quais empregados terão prioridade de manutenção do emprego e quais poderão ser dispensados).

Essa lacuna legislativa vem sendo substituída pela interpretação dada ao sistema constitucional vigente pelos Tribunais Regionais do Trabalho e pelo Tribunal Superior do Trabalho, externadas nas decisões proferidas nas ações coletivas que foram ajuizadas pelos sindicatos de trabalhadores e pelo Ministério Público do Trabalho em razão de empresas haverem dispensado um número elevado de empregados pelos mais diversos motivos, sem prévia negociação com as entidades sindicais.

Apesar de a Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) haver sido denunciada pelo Brasil em 1996, a Justiça do Trabalho tem norteado suas decisões em alguns preceitos contidos no art. 13 da referida convenção que preconizam que, havendo dispensas coletivas por motivos econômicos, técnicos, estruturais ou análogos, o empregador deverá informar oportunamente à representação dos trabalhadores; manter negociações com essa representação e notificar a autoridade competente, cientificando-a de sua pretensão, dos motivos da dispensa, do número de trabalhadores atingidos e do período durante o qual as dispensas ocorrerão.

O Judiciário Trabalhista passou a se preocupar com a gravidade do impacto social que uma dispensa coletiva causa à vida dos trabalhadores desempregados e à sociedade como um todo (prejuízo social às famílias dos demitidos e, às vezes, quando a cidade é pequena, o prejuízo em cascata que provoca na comunidade – comércio local).

O Ministério Público do Trabalho também passou a atuar de forma mais intensa nos casos de demissão em massa, seja mediante a convocação da empresa para justificar as demissões, seja intermediando uma solução para preservar o emprego dos trabalhadores atingidos pela dispensa.
Algumas normas coletivas também passaram a prever critérios a serem observados pelas empresas na ocorrência de dispensa coletiva.

O caso de dispensa coletiva de maior repercussão que chegou ao Judiciário Trabalhista nos últimos anos, foi o que envolveu a dispensa de mais de 4 mil trabalhadores pela Embraer (20% do quadro de empregados em fevereiro de 2009). O Sindicato dos Metalúrgicos ajuizou ação coletiva perante o Tribunal Regional do Trabalho de Campinas para pleitear a nulidade das dispensas e a reintegração de todos os trabalhadores. O TRT, em decisão liminar, determinou que as rescisões contratuais realizadas pela Embraer fossem suspensas até o dia 05 de março de 2009, data da primeira audiência de conciliação.

Como as dispensas haviam sido feitas sob a alegação de dificuldades financeiras decorrentes da crise econômica mundial e da queda da demanda por aeronaves (ano de 2009), os sindicalistas propuseram cinco alternativas para reverter a demissão coletiva: conversão das demissões em férias coletivas ou licença remunerada; redução da jornada de 43 para 40 horas semanais; cancelamento da bonificação anual de executivos da companhia e reversão do montante para recontratação de mil trabalhadores; diminuição da remuneração dos acionistas para tentar reintegrar parte dos funcionários; e readmissão dos dispensados para adoção de um Plano de Demissão voluntária, conforme noticiado no site jurídico Conjur de 9 de março de 2009. Entretanto, as partes não chegaram a um consenso.

Com o fracasso das inúmeras tentativas de conciliação, o Relator do processo manteve a liminar determinando à Embraer o pagamento de salários dos empregados desde 19 de fevereiro de 2009 (data da demissão) até o dia 13 de março, dia da última tentativa de conciliação, como se os contratos ainda estivessem em vigor (notícia veiculada no Conjur):

No julgamento do dissídio coletivo, o Tribunal Regional do Trabalho de Campinas manteve as demissões praticadas pela Embraer, mas aumentou o valor do aviso prévio (limitado a 7 mil); determinou a concessão de assistência médica por um ano as famílias dos ex-empregados, considerou como data das demissões o dia 13 de março de 2009 (e não 19 de fevereiro) e, por fim, determinou que a empresa dê preferência aos demitidos quando fizer novas contratações no prazo de dois anos.

Apesar de a empresa haver garantido benefícios não previstos em lei – como a prorrogação do plano de saúde dos trabalhadores por um ano a contar da dispensa e uma indenização calculada de acordo com o tempo de serviço de cada trabalhador – o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas) declarou abusiva a dispensa dos trabalhadores pela falta de negociação prévia com o sindicato da categoria profissional.

A Embraer interpôs recurso da decisão regional ao Tribunal Superior do Trabalho e concomitantemente ajuizou ação cautelar para pleitear a suspensão do cumprimento da decisão até o julgamento do seu recurso ordinário pelo TST. O TST concedeu a suspensão dos efeitos da decisão do TRT, na ação cautelar.

Posteriormente, o Tribunal Superior do Trabalho, em julgamento do recurso ordinário interposto pela Embraer na ação coletiva, afastou a abusividade da dispensa sob o fundamento de que não há no ordenamento jurídico brasileiro qualquer vedação à dispensa coletiva imotivada.

Na decisão definitiva, a Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que, embora a negociação coletiva seja imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, no caso da Embraer não houve abuso ou má-fé nas demissões visto que a empresa estava com dificuldades financeiras devido à retração das vendas de aviões causada pela crise econômica mundial.

Enfim, nesse caso da Embraer o Tribunal Superior do Trabalho balizou a realização de dispensas coletivas para os casos futuros: a dispensa coletiva deve ser precedida de negociação com o sindicato representante da categoria profissional.

Entretanto, será o Supremo Tribunal Federal quem dará a última palavra sobre a necessidade de prévia negociação coletiva para a dispensa coletiva, pois em abril de 2013, a Suprema Corte reconheceu a repercussão geral do tema ao recepcionar o recurso extraordinário interposto pela empresa Embraer:

Necessidade de negociação para demissão em massa tem repercussão geral reconhecida

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral na matéria constitucional tratada num Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 647651) no qual se questiona entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que determinou a exigência de negociação coletiva para que uma empresa possa promover a demissão em massa de empregados.

O caso examinado diz respeito à demissão, em fevereiro de 2009, de cerca de 4.200 trabalhadores pela Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A (Embraer) e pela Eleb Equipamentos Ltda. Ao julgar recurso ordinário no dissídio coletivo interposto pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região contra as empresas, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST entendeu que a dispensa coletiva, diferentemente da individual, exigiria a aplicação de normas específicas.

O fundamento foi o de que, no âmbito de direito coletivo do trabalho, esse tipo de dispensa não constitui poder potestativo do empregador e exige, portanto, a participação do sindicato dos trabalhadores, a fim de representá-los e defender seus interesses. No caso de a negociação se mostrar inviável, caberia a instauração de dissídio coletivo.

No recurso ao STF, a Embraer e a Eleb Equipamentos Ltda. alegam que a decisão violou diversos dispositivos constitucionais e que o TST, ao criar condições para a dispensa em massa, estaria atribuindo ao poder normativo da Justiça do Trabalho tarefa que a Constituição reserva a lei complementar, invadindo assim a esfera da competência do Poder Legislativo. As empresas afirmam que sua sobrevivência estaria ameaçada pela interferência indevida no seu poder de gestão, aspecto que viola o princípio da livre iniciativa.

Como o TST inadmitiu a remessa do Recurso Extraordinário (RE) ao Supremo, as empresas interpuseram agravo, provido pelo relator, ministro Marco Aurélio, para dar prosseguimento ao RE. Ao submeter o processo ao Plenário Virtual do STF, para verificar a ocorrência de repercussão geral no caso, o ministro Marco Aurélio observou estar-se diante de situação jurídica “capaz de repetir-se em um sem número de casos”. Para ele, é “evidente o envolvimento de tema de índole maior, constitucional”.

O mérito do recurso será analisado posteriormente, pelo Plenário da Corte”.

Aparecida Tokumi Hashimoto, especialista em direito do trabalho, é sócia do escritório Granadeiro Guimarães Advogados

Fonte: STF

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