Publicado originalmente em extraclasse.org.br
Cooperativas de mobilidade e transporte de pessoas de oito estados brasileiros estão organizando uma federação de motoristas de aplicativos para concorrer com a Uber, a 99 e outras plataformas de transporte de passageiros.
O objetivo é criar uma mantenedora de aplicativo que garanta aos motoristas cooperados uma melhor qualidade de vida e um preço justo para os usuários.
Congregando 12 cooperativas do Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste, o projeto aguarda a realização de assembleia da Cooperativa de Mobilidade Urbana do estado do Rio Grande do Sul (Comobi/RS) para que os cooperados, conforme o presidente Marcio Guimarães, façam a doação da marca registrada Liga by Comobi para o que entende “ser uma causa maior”.
Assim, o aplicativo que nasceu na cidade de Caxias do Sul em setembro de 2021 deverá passar a se chamar Liga Coop.
Carina Trindade, presidente do Sindicato dos Motoristas de Transporte Individual por Aplicativo do Rio Grande do Sul (Simtrapli/RS) vê a movimentação com bons olhos.
“Ações como essa são muito bem-vindas aos motoristas de aplicativos para que nós consigamos tirar das grandes plataformas o poder de manipulação dos motoristas. Mas não basta só descontar o mínimo”, afirma Carina ao se referir às taxas de administração cobradas pelos administradores de serviços de mobilidade urbana via aplicativos.
“Queremos garantias de segurança, tarifas mais justas e apoio ao motorista que hoje sofre com os grandes aplicativos”, completa.
Plataformas ficam com um terço da tarifa
Atualmente, de todo o valor arrecadado por um motorista em uma corrida por aplicativo, em média a Uber embolsa 42% e a plataforma 99 fica com 35%.
Já os idealizadores do Liga prometem uma taxa de 15%, ao mesmo tempo que deixam claro que esse percentual inclui o recolhimento de INSS dos motoristas participantes e o Imposto sobre Serviços (ISS). Guimarães frisa que “nós fazemos questão de pagar o ISS que as Big Techs não pagam”.
O objetivo, no entanto, ao aumentar a escala é chegar entre 10% e 12% de valor de taxa destinada. “Assim, as cooperativas podem se manter sadias e, no final do ano fiscal, ainda fazer a distribuição de sobras para seus cooperados”, reflete o dirigente.
A busca de formas para o pagamento de um descanso remunerado e a possibilidade que o cooperado tenha uma retirada mínima também são objetivos, acrescenta Guimarães.
Para isto, será necessária uma atualização da legislação que regula o sistema cooperativo no país e que remonta à década de 1970.
“As cooperativas de plataforma praticamente não se enquadram em nada das leis que beneficiam o cooperativismo. Falta muita coisa.”, aponta.
Ele não esconde, porém, uma certa inquietação, já que as cooperativas enfrentam dificuldades para agendar uma reunião no Ministério do Trabalho (MT) para que o projeto seja apresentado.
Apoio para furar a bolha
A ideia das cooperativas é discutir com o governo federal formas de apoio à iniciativa dos trabalhadores cooperativados.
No Brasil, outras iniciativas de aplicativos geridos por cooperativas têm tentado furar a bolha das grandes plataformas.
“São trabalhadores que há muitos anos estão escravizados pelas grandes. Infelizmente estamos tendo dificuldades. Daqui há pouco começam a atuar os lobbies e a gente sabe que os lobbies das Big Techs são muito fortes no Congresso. Os motoristas vão sair perdendo de novo”, lamenta Guimarães.
Ele ressalta que as cooperativas já têm soluções para os motoristas, mas não conseguem acessar o governo federal.
“Estamos numa luta para conseguir uma agenda. Infelizmente, lá em Brasília se fala muito em cooperativismo, mas vemos que na prática falta muito para se avançar. Temos uma consciência coletiva muito forte. Estão se reunindo com sindicatos, associações e por que não estão ouvindo as cooperativas?”, indaga.
Gilberto Carvalho, secretário Nacional de Economia Popular e Solidária do MT, de acordo com Guimarães, já foi sondado para um encontro.
Ao Extra Classe, Carvalho disse que uma comissão tripartite entre governo, trabalhadores e empresas será estabelecida para a discussão do trabalho via aplicativos. “As cooperativas, com certeza, serão ouvidas”, assegura.
Dignidade aos motoristas
Guimarães é categórico: “vamos apresentar uma proposta que contempla tudo o que o governo diz querer para garantir um mínimo de dignidade aos trabalhadores. Somos cooperativas de motoristas-raiz. Nada de bom vai passar no Congresso com os lobbies que têm as Big Tech”, projeta.
O projeto em andamento, segundo o dirigente, contempla e avança em muita coisa que já está sendo conjecturada no grande debate nacional proposto para regulamentar a relação das plataformas de tele-entrega e mobilidade de passageiros. Garante, como pretende o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que um mínimo seja estabelecido para retirar trabalhadores de uma situação de trabalho precário, destaca o presidente da Comobi/RS.
“Não é CLT, mas tem suas bases nos direitos garantidos pela CLT”, pontua Guimarães. “A gente só está pedindo uma coisa, direito à voz para apresentar um projeto de quem luta num mercado muito complexo, cheio de gatilhos mentais, onde o pessoal está escravizado”, descreve.
Cooperativa global
Os planos das 12 cooperativas vão mais longe. Já foram realizadas três reuniões com a The Drivers Cooperative (TDC), cooperativa nascida no ano de 2020 em Nova York e que atualmente conta com 90 mil motoristas associados.
A possibilidade de criar um aplicativo unindo esforços internacionais já está no radar com cooperativas de países como França, Inglaterra e Alemanha.
Nos próximos dias 26 e 27 de agosto será realizado o segundo Encontro das Cooperativas de Plataforma de Mobilidade Urbana (CoopMob), em Nova Petrópolis (RS). A localização é simbólica.
Nessa pequena cidade de colonização alemã da Serra gaúcha foi fundada pelo padre suíço Theodor Amstad a primeira cooperativa de crédito do Brasil. Desta vez, cooperativistas americanos e holandeses estarão presentes.