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Conheça as tendências de voto dos ministros do STF nas principais áreas

Publicado originalmente em conjur.com.br

Por Severino Goes

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2022lançado nesta quinta-feira (30/6) na TV ConJur. A publicação está disponível gratuitamente na versão online (clique aqui para ler) e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa (clique aqui para comprar).

Das 98.198 decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal em 2021, 82.781(84%) foram monocráticas e 15.417 colegiadas (16%). O presidente Luiz Fux acredita que o expressivo número de decisões monocráticas tende a diminuir. Segundo ele, embora um de seus objetivos de gestão seja o de fortalecer as decisões colegiadas do tribunal, isso já vem se verificando na prática, mesmo sem intervenções, porque diversos ministros têm submetido ao Plenário Virtual (PV), em regime de urgência, liminares com temas de maior impacto. “Sem fazer qualquer modificação regimental, já estamos nesse caminho correto da ‘desmonocratização’ do Supremo Tribunal Federal”, diz.

A prática foi inaugurada pelo ministro Edson Fachin, que pediu uma sessão extraordinária do PV para referendar a liminar que manteve um concurso da Polícia Federal. Também em sessão virtual, o STF examinou, de forma colegiada, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.524, que vedou a recondução dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal aos cargos, bem como as ações que questionavam a realização da Copa América de Futebol e a que discutiu a continuidade de emendas de relator ao Orçamento da União, entre outras.

“O plenário virtual existe desde 2016 e tem se mostrado um meio eficiente de o Supremo dar as respostas que a sociedade precisa. Ele trouxe mais eficiência e colegialidade às decisões. Ao longo dos anos, as competências foram se aprimorando, mais temas passaram a ser analisados, e já foram quase 80 mil julgamentos colegiados desde então – casos que sem o PV, provavelmente, continuariam sem análise coletiva”, disse Fux em entrevista ao Anuário da Justiça. O presidente destaca que em sessões às quartas e quintas-feiras, o Plenário físico julga, em média, dois casos por sessão apenas. “Sem o Plenário Virtual seria impossível aumentar a quantidade de decisões colegiadas e reduzir o total de decisões individuais”.

Anuário da Justiça fez um levantamento das tendências de voto de cada ministro da corte com base nas decisões colegiadas publicadas nos Informativos STF de 2021. Identificou, por exemplo, que em Direito Administrativo o Plenário tem tendência mais favorável ao interesses públicos (57%) do que aos privados (43%). Quando se trata de direitos e garantias, entretanto, a corte é 75% garantista e 25% legalista.

Nos temas de Direito Tributário e Penal, a corte fica dividida. Os ministros que votaram mais vezes em favor do contribuinte, em detrimento do Fisco, foram Rosa Weber (62% dos casos), Dias Toffoli e Roberto Barroso, ambos em 54% dos processos. Na área penal, o ministro Ricardo Lewandowski votou em favor dos direitos dos acusados em 88% dos casos, seguido pelo ministro aposentado Marco Aurélio (83%) e pelo presidente da corte, ministro Luiz Fux (63%).

Para além dos números, foram muitos julgamentos importantes em 2021. A começar pela definição de que o direito ao esquecimento não é . compatível com a Constituição. Mais do que isso, acomodar esse conceito de forma genérica no ordenamento jurídico brasileiro traria um conflito com a liberdade de expressão. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso.

O processo que deu início ao julgamento envolvia a família de Aída Curi, vítima de um crime em 1958 que foi reproduzido pelo programa Linha Direta Justiça, da TV Globo. No julgamento, o ministro Alexandre de Moraes, contrário ao direito ao esquecimento, abordou seu entendimento sobre liberdade de expressão, segundo o qual a imprensa deve funcionar sob a ideia do binômio liberdade e responsabilidade. Moraes é o relator do inquérito das fake news no tribunal e se confronta com questões de censura prévia e de liberdade de expressão – tema que será relevante nas eleições de outubro de 2022, período em que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral.

O Supremo impôs alteração relevante nas regras de patentes de medicamentos, que opunham os fabricantes de genéricos e os de medicamentos patenteados. Foi derrubado trecho da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996) que prevê extensão do prazo de patentes em caso de demora na análise pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Com isso, ficou valendo a regra de que as patentes deverão valer por 20 anos, a partir da data do pedido, independentemente do tempo de análise e sem chance de extensão por mais 10 anos.

A decisão importa porque os ministros entenderam que a regra dificultaria “a superação da pobreza, o atraso tecnológico do nosso país e não contribui para o desenvolvimento do Brasil, onerando o poder público e o consumidor”, como disse o ministro Ricardo Lewandowski em voto.

Empresas, advogados, a Fazenda Nacional e a Receita Federal focaram atenções no julgamento dos embargos de declaração sobre aquela que é considerada a “tese do século” entre os tributaristas: a exclusão do ICMS da base de cálculo para o pagamento do PIS e da Cofins. O recurso tinha objetivo de modular os efeitos da decisão e, com isso, reduzir o montante total que deveria ser restituído pela Fazenda aos contribuintes. Estavam em disputa R$ 258,3 bilhões, segundo a Fazenda.

O STF decidiu que a regra valeria a partir de 15 de março de 2017, data do julgamento que decidiu a questão. Os ministros também definiram que o ICMS a ser retirado da base das contribuições é aquele destacado em nota fiscal. A posição favoreceu os contribuintes.

Em julgamento iniciado em 2020, mas só concluído em 2021, o STF confirmou, por 8 votos a 1, que a injúria racial é uma espécie de racismo, e, portanto, é crime imprescritível. O passo é relevante porque, de acordo com a legislação brasileira, são imprescritíveis apenas os crimes de racismo e de ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado democrático. Assim, pode ser punido independentemente da data em que foi cometido.

“Referir-se a alguém com expressões preconceituosas, como ‘negrinha nojenta, ignorante e atrevida’, foi uma manifestação ilícita e preconceituosa em razão da condição de negra da vítima. Então houve um ato de racismo”, declarou o ministro Alexandre de Moraes, como relator de voto-vista. “Somente assim poderemos atenuar esse sentimento de inferiorização que as pessoas racistas querem impor às suas vítimas.”

O STF decidiu, ainda, que o Estado deve indenizar profissional de imprensa ferido em manifestação. Por 10 votos a 1, foi acolhido recurso de fotojornalista que perdeu a visão após ser atingido, em 2000, por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar quando cobria manifestação em São Paulo.

Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “É objetiva a responsabilidade civil do Estado em relação a profissional de imprensa ferido por agentes policiais durante cobertura jornalística em manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes.”

O STF também julgou constitucional a Lei Complementar 179/2021, que instituiu a autonomia do Banco Central e o transformou em autarquia especial. Por 8 votos a 2, prevaleceu o entendimento do ministro Roberto Barroso, que abriu divergência em relação ao relator da matéria, Ricardo Lewandowski.

Lewandowski acolheu o entendimento da Procuradoria-Geral da República de que a lei sofre de vício de iniciativa por ter sido proposta pela Câmara dos Deputados e não pelo Executivo. Para a PGR, o ponto central da questão é o Senado Federal não ter deliberado sobre o projeto de iniciativa do presidente da República. Toda a tramitação da matéria no Senado se deu unicamente nos autos do PLP 19/2019, de autoria parlamentar, declarou o procurador-geral Augusto Aras.

Roberto Barroso disse não ser necessária iniciativa do Executivo para garantir autonomia ao Banco Central porque a lei não trata do regime de servidores público, tampouco de criação de novos órgãos. “Responsabilidade fiscal não tem ideologia. Não é de esquerda, nem de direita. Não é monetarista, nem é estruturalista. É apenas um pressuposto das economias saudáveis”, disse.

Uma das principais alterações da reforma trabalhista de 2017 na CLT foi a previsão de que o trabalhador beneficiário da Justiça gratuita pagasse pelos honorários periciais e advocatícios sucumbenciais caso fosse vencido. Em outubro de 2021, os ministros do STF decidiram que esses dispositivos são inconstitucionais. Como não foi feita modulação, entende-se que a medida nunca valeu; por isso os beneficiários que pagaram honorários poderão reaver os valores.

O STF ainda julgará outras ações que questionam a reforma, como os dispositivos do trabalho intermitente; se as cláusulas de acordos coletivos podem integrar os contratos individuais de trabalho; teto indenizatório por danos morais e extrapatrimoniais nas ações perante a Justiça do Trabalho; e a prevalência do acordado sobre o legislado.

A maioria das decisões do STF em matéria de Direito do Trabalho é favorável aos empregados. Os ministros que mais decidiram desta maneira foram Marco Aurélio Mello (já aposentado) e Rosa Weber, próxima presidente da corte, ambos com 75% de decisões favoráveis aos empregados. Já Kassio Nunes Marques, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Roberto Barroso são francamente favoráveis ao lado dos empregadores.

O relatório da CPI da Covid-19, com possíveis crimes constatados pelos senadores, foi enviado à PGR, mas a abertura de inquérito para investigar o presidente da República foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes sem que a PGR pedisse. A decisão é considerada heterodoxa, já que o Ministério Público é considerado o “dono” do inquérito e é o responsável por fazer a denúncia criminal. Para Moraes, a CPI tem legitimidade para pleitear a apuração de supostas condutas criminosas. Um dos episódios investigados é a fala de Bolsonaro em live associando a vacinação de covid-19 à infecção por HIV.

Augusto Aras recorreu contra a abertura do inquérito no Supremo, sob o argumento de que a PGR estava fazendo a investigação internamente. Ele reforçou que tem a prerrogativa de manter as investigações. Moraes concedeu Habeas Corpus de ofício determinando que a PGR trancasse a investigação interna e enviasse ao Supremo a íntegra de toda a apuração que havia feito.

Já a ministra Rosa Weber autorizou a abertura de um inquérito para investigar o presidente da República pela suspeita da prática de crime de prevaricação no caso da compra das vacinas Covaxin. Ela enviou recado à PGR ao dizer que, “no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos poderes da República”.

A ministra Cármen Lúcia também criticou a PGR em despachos. Em outubro, deu 15 dias para Augusto Aras detalhar quais foram as apurações feitas sobre um pedido de investigação do presidente da República pelos atos antidemocráticos de que ele participou em 7 de setembro de 2021. “É dever jurídico desta Casa supervisionar a investigação que venha a ser instaurada”, afirmou ela ao criticar as apurações preliminares feitas pela PGR.

“Qualquer atuação do Ministério Público que exclua, ainda que a título de celeridade procedimental ou cuidado constituído, da supervisão deste Supremo Tribunal Federal apuração paralela a partir ou a propósito deste expediente (mesmo que à guisa de preliminar) não tem respaldo legal e não poderá ser admitida.”

Depois da manifestação da PGR pelo arquivamento da notícia-crime, a ministra não voltou a despachar no processo.

Anuário da Justiça Brasil 2022
ISSN: 2179981-4
Edição: 2022
Número de páginas: 288
Editora ConJur
Versão impressa: R$ 40, exclusivamente na Livraria ConJur (clique aqui)
Versão digital: acesse gratuitamente pelo site http://anuario.conjur.com.br e pelo app Anuário da Justiça

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