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Compliance e sua aproximação com o Direito do Trabalho: o compliance trabalhista

Por Adriana Calvo

Resumo: Trata-se de artigo que tem por objetivo estudar o compliance e o relação jurídica com o Direito do Trabalho: o compliance trabalhista. Além disso, este estudo busca refletir sobre o papel deste novo ramo e suas principais ferramentas para detecção, prevenção e solução de riscos trabalhistas.

Abstract:   This is article aims to study the compliance and the legal relationship with Employment Law: labor compliance. In addition, this study seeks to reflect on the role of labor compliance and its main tools for detecting, preventing and resolving labor risks.

Palavras-chave:  Compliance trabalhista. Prevenção de riscos trabalhistas. Programa de integridade

Key words:    Labor compliance. Prevention of labor risks. Integrity Program.

 

Sumário: I. Introdução. II. Evolução histórica do compliance nos EUA e no Brasil. II.  O compliance trabalhista como uma espécie de programa de compliance III. Ferramentas de compliance trabalhista VI. Considerações finais.

 

  1. Introdução

 

O objetivo deste artigo é oferecer uma visão sistematizada do compliance trabalhista, que concilie pesquisa teórica nacional e estrangeira americana com aplicação prática em rotinas trabalhistas empresariais.

Na atualidade, o ambiente corporativo nacional busca um novo negócio (new business), uma nova área de atividade que os profissionais jurídicos terão que se reinventar para dominar: o compliance.

Nesse sentido, este artigo busca cumprir um importante tarefa de auxiliar o profissional do Direito nesta etapa de reciclagem e reinvenção como profissional de destaque no mercado jurídico nacional.

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* Adriana Calvo é Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP), Professora Convidada de Direito do Trabalho do Curso FGV Direito RJ. Professora de Direito do Trabalho do curso de Graduação do Mackenzie/SP. Coordenadora de Direito Individual do Trabalho da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB/SP. Advogada trabalhista.

 

No primeiro capítulo, tem-se um tratamento mais introdutório e geral teórico sobre a evolução histórica do compliance nos EUA e no Brasil.

No segundo capítulo, busca-se apresentar um conceito jurídico de compliance e sua relação com o Direito do Trabalho, que justificaria uma nova espécie: o compliance trabalhista.

No último, o objetivo é estudar o compliance na área trabalhista de forma prática, explorando suas diversas ferramentas, desde a implantação de procedimentos de canal de denúncia até amplos Códigos de Ética ou de Conduta.

Este artigo tem como objetivo também contribuir, ainda que modestamente, para divulgação dos estudos de compliance trabalhista no Brasil.

 

  1. Evolução histórica do compliance nos EUA e no Brasil

 

A fim de compreender o novo instituto do compliance necessário se fazer uma breve retrospectiva história deste instituto, cujo berço histórico do seu surgimento é os EUA.

A ideia de compliance pode ser datada da virada do século XX e está associada ao surgimento das agências reguladoras americanas como modelos de fiscalização rígida centralizada e de combate à corrupção nos EUA. Cite-se, por exemplo, em 1906, a promulgação do “Food and Drug Act” e a criação da Food and Drug Administration (“FDA”).

Em 1913, foi criado o Federal Reserve System (Banco Central dos EUA), o qual teve como objetivo a criação de um sistema financeiro rígido, seguro e em conformidade com as leis vigentes do país.

Na sequência, diversas leis federais americanas foram aprovadas com objetivo de combater a corrupação e garantia uma gestão governamental idôena, como por exemplo: “Federal Reserves Act” (1913), “Clayton Anti-trust Law” (1914), “Banking act of 1933” e “The Securities Act of 1933 e 1934.

Contudo, a maioria dos autores aponta o ano de 1950, como a “era do compliance”, com a criação da Prudential Securities em 1950, uma vez que a partir deste momento se passou a contratar advogados para acompanhar a legislação e monitorar as atividades que envolviam valores mobiliários[1].

Em 1977, o setor financeiro de prevenção e combate aos delitos econômicos americano aprovou a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)[2] com o objetivo de evitar o pagamento ou a promessa de pagamento a qualquer agente público que tivessem como objetivo obter vantagem indevida ou tratamento diferenciado.

A lei norte-americana sobre Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA) foi promulgada após as investigações do caso Watergate sobre doações corporativas para fins políticos que revelaram um grande esquema de pagamentos a funcionários públicos estrangeiros.

A maioria dos autores alerta que embora este fato isoladamente não tenha influenciado diretamente na elaboração da lei, provocou sem dúvida, um movimento anti-corrupção importante, que evolui posteriormente para a aprovação da FCPA[3].

A Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) prevê a imposição de altíssimas multas, pena de prisão, obrigação de indenizar os empregados e até possível bloqueio de operações de crédito nos EUA, sendo que os maiores acordos celebrados por ofensa a FCPA foram: SIEMENS ($800.000.000,00) em 2008, Alstom ($772.000.000,00) em 2014 e KBR ($579.000.000,00) em 2009[4].

A lei norte-americana sobre Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA) engloba 2 (duas) ações: dispositivos anti-suborno (proíbem o suborno de funcionários públicos estrangeiros) e dispositivos contábeis (incluem exigências e proibições aplicáveis aos “emissores”, ou seja, empresas dos EUA e estrangeiras registradas em qualquer bolsa de valores dos EUA)[5].

[1] NEGRÃO, Célia Lima; PONTELLO, Juliana de Fátima. Compliance, controles internos e riscos: a importância da gestão de pessoas. Brasília: SENAC, 2014, p.23.

[2] Para mais informações sobre a FCPA, acesse o site a seguir: https://www.justice.gov/criminal-fraud/foreign-corrupt-practices-act

[3] Bulletin of the GHI News, Washigton 53, p. 7-30. 2013. Disponível em: https://www.ghi-dc.org/fileadmin/user_upload/GHI_Washington/Publications/Bulletin53/bu53_007.pdf

[4] Para obter mais informações sobre as penalidades da FCPA, acessar o site https://www.visualofac.com/regulations/fcpa-violations-penalties/

[5] Para obter mais informações sobre as ações da FCPA na América, acessar o site https://fcpamericas.com/languages/portugues/introducao/#

 

Portanto, a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) é restrita às empresas atuantes na bolsa de valores americanas, não se aplicando às demais empresas, por esta razão, para estas últimas servia apenas de um manual de boas práticas (“best practices”).

A partir da segunda metade da década de 80, o americano Robert Monks, formado em Direito pela Universidade de Harvard, ficou conhecido como o “pai da governança”, por ter alertado sobre o problema da falta de transparência financeira e contábil na gestão das companhias.

SILVA e PINHEIRO ressaltam a relevância da obra: “Robert Monks criticava a omissão dos acionistas, que apenas se preocupavam com a manutenção de seus privilégios e com o valor das ações, passando a ser o principal defensor da necessidade de uma mudança de tal postura, propugnando que os investidores institucionais de todo o mundo se unissem para tornar as corporações mais responsáveis perante seus acionistas[1]”.

Em 2002, em razão de diversos escândalos corporativos, sendo o mais conhecido o caso Enron, é aprovada a Lei Sarbanes-Oxley Act, cujo principal objetivo foi evitar a saída dos investimentos financeiros e a fuga dos investidores causada pela grande insegurança contábil e financeira causada pela Eron.

A lei Sarbanes-Oxley, apelidada de Sarbox ou ainda de SOX, foi criada para assegurar mecanismos de auditoria e segurança confiáveis, a fim de evitar a ocorrência de fraudes, garantindo a transparência na gestão das corporações[2].

A seção 404 lei Sarbanes-Oxley prevê obrigatoriedade de haver uma avaliação anual dos controles e procedimentos internos com a emissão de relatórios financeiros. Além disso, a lei prevê a obrigação de ser emitido um relatório distinto por um o auditor independente da companhia[3].

Atualmente grandes empresas com operações financeiras no exterior seguem a lei Sarbanes-Oxley, inclusive empresas brasileiras que mantém ADRs (American Depositary Receipts) negociadas na NYSE, como a Petrobras, Ambev, Bunge Brasil, a GOL Linhas Aéreas, a Sabesp, a CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz), a LATAM Airlines Brasil, a Brasil Telecom, Ultrapar (Ultragaz), a Companhia Brasileira de Distribuição (Grupo Pão de Açúcar), Banco Bradesco, Banco Itaú, TIM, Vale S.A., Vivo S.A., dentre outras.

JOBIM alerta que “a crise financeira americana de 2007/2009, marcada por um longo período de baixa de taxa de juros, que resultou numa bolha no mercado financeiro, com a desvalorização de diversas financeiras pelo mundo, gerou a preocupação com o gerenciamento, regulamentação e monitoramento do sistema financeiro como um todo[4]”.

Após diversos escândalos envolvendo as empresas dos grupos EBX, JBS e da Petrobrás, que tiveram sua imagem abalada perante a sociedade brasileira e mundial foram sancionas importantes legislações de combate à corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), fundado em 1995, em seu “Código de Melhores Práticas e Governança Corporativa”, ressalta a importância do compliance para a imagem da empresa: “a prática constante da deliberação ética consolida a identidade, a coerência entre o pensar, o falar e o agir e, consequentemente, a reputação da organização, com reflexos sobre a sua cultura[5]”.

Em 1998, foi a aprovada a Lei de combate aos crimes de lavagem de dinheiro (Lei no 9.613), que criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e foi editada a Resolução n. 2.554 do Banco Central do Brasil (BCB).

Em 2013, foi publicada a Lei n. 12.846, denominada Lei de Combate à Corrupção ou Lei da Empresa Limpa, regulamentada posteriormente em 2015 pelo Decreto n. 8.420/15, que passou a dispor sobre os programas de integridade, estabelecendo ferramentas e recomendando adoção de programas de integridade nas empresas.

A Lei Anticorrupção trouxe sanções importantes, tais como: (i) multa no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do procedimento administrativo, (ii) suspensão temporária de participação em licitação,  (iii) impedimento de contratar com a Administração  por prazo não superior a 5 anos e (iv) reparação integral do dano.

Na verdade, várias empresas já detinham programas de compliance, contudo, com a adoção da Lei 12.846/2013 redobraram-se os estímulos em prol da legalidade e dos limites estreitos da ética empresarial devido ao aumento das sanções[6].

A Lei 12.846/2013 conhecida como Lei Anticorrupção foi um marco histórico para o Brasil, pois ajudou a fortalecer os programas de compliance em nosso país.

CARLOTO lembra a importância da Operação Lava Jato no combate à corrupção no Brasil: “Esta operação foi um propulsor dos programas de compliance no Brasil e se existe um bom exemplo no mundo do prejuízo que a fata de um sistema robusto e efetivo de governança corporativa e de compliance pode gerar para um negócio é a Petrobrás[7]”.

A Lei n. 13.303/16 que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em seu artigo 9º, parágrafo § 4º, assim passou a dispor:

 

Art. 9º A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que abranjam:

  • 4º O estatuto social deverá prever, ainda, a possibilidade de que a área de compliance se reporte diretamente ao Conselho de Administração em situações em que se suspeite do envolvimento do diretor-presidente em irregularidades ou quando este se furtar à obrigação de adotar medidas necessárias em relação à situação a ele relatada.

 

Portanto, a Lei n. 13.303/16 passou a impor às empresas estatais a implementação de Código de Conduta e Integridade e a outras regras de boa prática de governança corporativa no Brasil.

Em 2016, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), publicou o “Guia de Programas de Compliance” [8],  com orientações para adoção de programas de compliance na área concorrencial.

Em 13/06/2016, a 105ª Conferência Internacional do Trabalho da OIT debateu de forma intensa a questão do trabalho decente nas cadeias de fornecimento globais, que resultou em  05/01/2017, na publicação de um estudo sobre “Workplace Compliance in Global Supply Chains[9].”.

Este estudo alerta sobre a importância de governos, empresas e trabalhadores assumirem o compromisso que seu ambiente de trabalho atenda às leis trabalhistas e respeite os direitos dos trabalhadores.

Recentemente, a Portaria 86/2019 do Ministério da Justiça instituiu o “Sistema de Governança do Ministério da Justiça e Segurança Pública – SG-MJSP” de forma a recomendar boas práticas de governança corporativa e compliance traballhista.

Enfim, SILVA e PINHEIRO trazem importante reflexão sobre o cenário jurídico de combate à corrupção e adoção de programas de integridade no Brasil:

 

“o que se nota no Brasil, portanto, é a inegável tendência de que todos os segmentos, sejam públicos ou privados, preparem-se para essa nova realidade de agir em conformidade, tanto para cumprir o dever que vêm sendo imposto pelas leis como para evitar litígios, formação de passivo e cuidar adequadamente da imagem e função social da empresa[10]”.

 

III.  O compliance trabalhista como uma espécie de programa de compliance

 

Preliminarmente, o termo compliance deriva do verbo inglês: “to comply”, que significa cumprir, realizar ou satisfazer o que foi imposto, atender a regras.

Esta palavra de origem inglesa foi incorporada ao cotidiano das corporações no Brasil, sem tradução para o português. Na Espanha, ao contrário do Brasil, se utiliza a palavra na língua oficial do país: “cumplimiento”.

OLIVEIRA e OLIVEIRA conceituam o programa de compliance de forma ampla como: “um conjunto de medidas a serem adotadas pelas empresas com o objetivo de prevenir, detectar e responder a riscos de integridade[11]”.

No mesmo sentido, GIOVANINI sustenta que o compliance compreende um estar em consonância com as legislações e regulamentos internos e externos das organizações[12].

MILLER defende que há 2 (dois) conceitos de compliance no direito americano: um comum e outro específico. Em ambos os casos, defende o autor que o comportamento é estar em conformidades com as normas legais. No conceito comum, as normas não são implementadas pelo sujeito individual, mas sim, por uma autoridade, sendo necessária uma influência externa para haver o cumprimento. Já, no conceito específico, é necessário que a sociedade esteja em conformidade com as normas que ela mesma elencou como obrigatórias[13].

JOBIM explica que há nuances culturais próprias do contexto no qual o país e o autor do conceito estão inseridos, vejamos em suas próprias palavras:

 

Alguns destacam a vinculação, ainda que inicial, ao setor empresarial atuante do setor de título de valores, já para outros seria apenas um modelo de gestão empresarial, denominado governança corporativa, mas o que se percebe como denominador comum da conceituação é que, ainda não expressamente presente, há por detrás da conceituação uma questão de “atitude ética”, vinculada a um comportamento empresarial responsável[14].

 

SILVA e PINHEIRO entendem que no Brasil, o termo “compliance” é sinônimo da expressão “programa de integridade”, conforme previsto na Lei n. 12.846/13 e no Decreto n. 8.420/15”, contudo, alertam que:

 

“todavia, doutrinariamente, há quem defenda que os termos não são coincidentes, sendo que o compliance abrangeria todos os aspectos legais e de conformidade aplicáveis à atividade empresarial e, por sua vez, o programa de integridade seria restrito ao combate à corrupção[15]”.

 

Por esta razão, os autores acima defendem que os programas de compliance não devem se restringir ao combate à corrupção e sustentam que tais programas, para manterem lógica, consistência e coerência, devem versar sobre todas esferas da empresa, envolvendo questões fiscais, contábeis, trabalhistas, financeiras, ambientais, jurídicas, previdenciárias, éticas, dentre outras[16].

Apesar do termo “compliance” ter se originado nas relações empresariais e ter se intensificado após a Lei Anticorrupção, a técnica do compliance também passou a ser usada no âmbito trabalhista.

JOBIM defende que se o Direito do Trabalho é um campo de estudo autônomo, deve-se preocupar diretamente com o tema do compliance, logo defende existir um compliance trabalhista como uma espécie de programa de compliance[17].

No mesmo sentido, NASCIMENTO entende que o compliance aplicado ao Direito do Trabalho consiste em procedimentos da empresa que visam à satisfação do cumprimento da lei, das normas, portarias, convenções e acordos coletivos de forma que haja o cumprimento da ética e da moral[18].

ANDRADE define compliance trabalhista como: “um estudo de controles internos e de outras medidas que podem e devem ser acolhidas por todas as empresas que lidem com mão de obra, nas suas mais diversas formas, com o fim de prevenção ao descumprimento de normas trabalhistas.[19]

Enfim, a maioria da doutrina nacional vem utilizando o termo “compliance trabalhista” para se referir a uma espécie de programa de compliance no Direito do Trabalho, que pode englobar verificação de procedimentos empresariais de condutas antidiscriminatórias, condutas antisindicais, combate ao assédio sexual e moral, dentre outras.

A seguir, vamos estudar as principais ferramentas jurídicas que podem ser utilizadas como aplicação do compliance trabalhista para prevenir riscos trabalhistas nas empresas e evitar sanções jurídicas com aplicação de pesadas multas administrativas.

 

III. Ferramentas de compliance trabalhista

 

 

A Lei n. 12.846/2013, denominada Lei de Combate à Corrupção ou Lei da Empresa Limpa passou a dispor sobre os programas de integridade e estabeleceu ferramentas de compliance.

O Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta a Lei 12.846/2013 definiu no seu art. 41 que:

“Programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira”.

 

Segundo o Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas da Controladoria Geral da União – CGU, o programa de integridade é um programa de compliance específico para prevenção, detecção e remediação dos atos lesivos previstos na Lei 12.846/2013, que tem como foco, além da ocorrência de suborno, também fraudes nos processos de licitações e execução de contratos com o setor público[20].

O artigo 42 do Decreto n. 8.420/15 traz parâmetros a serem seguidos para instauração dos programas de integridade, os quais muitos deles podem ser utilizados por analogia no compliance trabalhista, citamos alguns deles de forma resumida a seguir:

 

  • comprometimento da da alta direção da pessoa jurídica;
  • códigos de conduta, ética, políticas e procedimentos de integridade

aplicáveis a todos e quando necessário a terceiros (fornecedores, terceirizados, prestadores de serviços, etc);

  • treinamentos periódicos sobre o programa de integridade;

(iv) análise periódica dos riscos para eventuais adaptações do programa;

  • registros contábeis fidedignos;
  • controles internos que assegurem a confiabilidade de relatórios e

demonstrações financeiras;

  • procedimentos para prevenir fraudes e ilícitos;
  • canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente

divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciante de boa-fé;

(ix) medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade.

 

No mesmo sentido, CARLOTO ensina que: “podemos criar nos moldes da Lei Anti-Corrupção programas de integridade trabalhista na empresa com a comunicação de sanções para este tenha total efetividade[21].”

Desta forma, fica evidente que há diversos pontos de intersecção entre o compliance e o Direito do Trabalho e vamos a seguir citar a título exemplificativo algumas destas ferramentas de compliance trabalhista.

No compliance, utiliza-se as ferramentas de “conheça seu cliente, seu empregado e até mesmo seu fornecedor” (Know your cliente, Know your employee and Know your customer).

No compliance “Know your employee” (conheça o seu empregado), utiliza-se de ferramentas de background check que consistem em uma espécie de triagem com objetivo de verificar antecedentes dos empregados antes da contratação, por exemplo, solicitando certidão de antecedentes criminais do empregado.

Esse tema já foi submetido para análise da Justiça do Trabalho e a subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) decidiu, por maioria, que a exigência de certidão negativa de antecedentes criminais caracteriza dano moral passível de indenização quando caracterizar tratamento discriminatório ou não se justificar em situações específicas (IRR-243000-58.2013.5.13.0023).

Por outro lado, a SDI-I do TST entendeu que a exigência é considerada legítima, no entanto, em atividades que envolvam, entre outros aspectos, o cuidado com idosos, crianças e incapazes, o manejo de armas ou substâncias entorpecentes, o acesso a informações sigilosas e transporte de carga.

CARLOTO alerta que: “na utilização da ferramenta know your employee, a empresa deve ter certos cuidados para não extrapolar os limites da Constituição Federal e as normas trabalhistas, a fim de evitar que na tentativa de contratação de um trabalhador íntegro acabe sendo condenada por dano moral[22]”.

Outra ferramenta de compliance trabalhista muito adotada nas empresas brasileiras são os códigos: Código de Ética ou Código de Conduta.

DAINEZE faz distinção entre o Código de Ética e o Código de Conduta, afirmando que a diferença está na forma como organização expressa as suas expectativas e compromissos em relação ao público[23].

A autora explica que no código de ética empresarial há o conjunto de valores centrais da organização, que orienta e dá diretrizes de como os indivíduos “deveriam” agir.  Em contraste, no código de conduta empresarial seria uma lista de prescrições, às quais geralmente estão relacionadas penalidades para a violação, que dizem como os indivíduos “devem” agir.

Além destas ferramentas de compliance trabalhista, pode-se citar também os canais de denúncia. Estes canais são utilizados como ferramenta essencial de compliance trabalhista para identificar desvios, fraudes e outros ilícitos empresariais.

A importância do “whistleblower”, que em sua tradução literal significa assoprador de pito, é fundamental nos canais de denúncias. Por isso, a importância de se garantir anonimato nas denúncias e proteção contra a discriminação do denunciante pós-denúncia nos Códigos de Ética e de Conduta.

Nesse sentido, CARLOTO concorda que “tanto os canais de denúncia criados por exigência legal, como aqueles que decorrem de um programa de integridade, devem ser abertos e amplamente divulgados para os empregados e terceiros, além de possuir mecanismos de proteção aos denunciantes de boa-fé[24]”.

É recomendável que a empresa assegure o anonimato do denunciante e a confidenciabilidade das informações recebidas, mantendo o sigilo e coibindo a possibilidade de ocorrência de retaliações quanto aos denunciantes e eventuais testemunhas.

SILVA e PINHEIRO faz importante observação sobre o papel dos administradores na gestão do canal de denúncia: “a alta administração deve, muito além do que elaborar os manuais de boas condutas e regulamentos, segui-los fielmente, estimulando denúncia, aplicando correta e tempestivamente as punições[25]”.

Algumas empresas buscando dar mais independência e transparência ao canal de denúncia, terceirizam este serviço para recebimento das denúncias por profissionais externos ou empresas especializadas em apuração e coleta de denúncias empresariais.

Por fim, há que se destacar também a importância das auditorias internas ou externas como ferramentas de compliance trabalhista.

 

  1. Considerações finais

 

Neste artigo buscou-se por meio da evolução história do instituto do compliance nos EUA e no Brasil, demonstrar a sua crescente importância no combate à corrupção e às fraudes no cenário empresarial brasileiro e mundial.

Ao longo dos anos, houve um crescente aumento de demanda pela implantação de programas de governança corporativa e compliance, com o objetivo principal de desenvolver no país uma nova cultura: a cultura de conformidade e da ética empresarial.

O compliance como novo instituto jurídico comporta múltiplas facetas ao ser relacionar com outros ramos do Direito e no caso do Direito do Trabalho se desdobra no instituto jurídico do compliance trabalhista.

O Direito do Trabalho é campo fértil para violação de padrões éticos e por este motivo mais ainda deve ser destacada a importância do compliance trabalhista.

As ferramentas jurídicas de compliance previstas na Lei n. 12.846/2013 (Lei de Combate à Corrupção) e no seu Decreto nº 8.420/2015, podem ser amplamente aplicadas na gestão de fraudes e riscos trabalhistas.

Neste breve artigo, buscou-se estudar algumas destas ferramentas de compliance trabalhista: tais como os Códigos (Ética ou Conduta), os canais de denúncia, as auditorias internas e externas, dentre outras.

Durante o estudo de tais importantes ferramentas, restou claro a importância do diálogo do instituto jurídico do compliance com o Direito do Trabalho, a fim de permitir que uma efetiva prevenção de riscos trabalhistas.

Enfim, vivemos, sem dúvida, um prenúncio de uma nova era, em que as ideias de integridade e ética serão verdadeiros vetores fundamentais não só para as empresas, mas para toda a sociedade brasileira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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SILVA, Fabrício Lima; PINHEIRO, Iuri. Manual de Compliance Trabalhista: teoria e prática. Belo Horizonte: Ed. Juspodim, 2020.

VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017.

 

 

[1] SILVA, Fabrício Lima; PINHEIRO, Iuri. Manual de Compliance Trabalhista: teoria e prática. Belo Horizonte: Ed. Juspodim, 2020, p. 22-23.

[2] MILLER, Geoffrey Parsons. The law of Governance, Risk Management and Compliance. New York: Wolters Kluwer Law & Business, 2014, p. 139-140.

[3] Para acessar a SOX na íntegra, acessar o site: http://www.soxlaw.com/s404.htm

[4] JOBIM, Rosana kim. Compliance e trabalho: entre o poder diretivo do empregador e os direitos inespecíficos do empregado. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018, p.22.

[5] IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, 2015, 5ª Edição. Código das melhores práticas de governança corporativa. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/userfiles/files/Publicacoes/Publicacao-IBGCCodigoCodigodasMelhoresPraticasdeGC-5aEdicao.pdf >. Acesso em: 17 de abril. 2020.

[6] VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 20-23.

[7] CARLOTO, Selma. Compliance trabalhista. São Paulo: Ltr, 2019, p. 19.

[8] Para acessar o guia na íntegra, acesse o site a seguir: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf

[9] Para maiores informações sobre este documento acessar o site da OIT no link a seguir: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_dialogue/—sector/documents/publication/wcms_540914.pdf

[10] Ibidem, p. 27-28.

[11] OLIVEIRA, Marcos Vasconcelos Rodrigues de; OLIVEIRA, Luiz Gustavo Miranda de. In: OLIVEIRA, Luis Gustavo Miranda de (Org.), Compliance e integridade: aspectos práticos e teóricos. V. 2. Belo Horizonte: Editora D’Plácid, pp. 111/112.

[12] GIOVANINI, Wagner. Compliance: a excelência na prática: São Paulo: Atlas, 2014, p. 20-21.

[13] Ibidem, p. 137-138

[14] Ibidem, p. 31.

[15] Ibidem, p. 33-34.

[16] Ibidem, p. 33-34.

[17] Ibidem, p. 32.

[18] NASCIMENTO, SÔNIA MASCARO. Lei anticorrupção sob a ótica do compliance trabalhista. São Paulo, 30 de out. 2014. Disponível em (http://www.soniamascaro.com.br/index.php/sonia-mascaro/artigos/378-lei-anticorrup%C3%A7%C3%A3o-sob-a-%C3%B3tica-do-compliance-trabalhista.html). Acesso em 21/04/2020.

[19] ANDRADE, Flávio Carvalho Monteiro; FERREIRA, Isadora Costa. Compliance trabalhita: compreendendo a prevenção do risco trabalhista por meio do programa de integridade. Revista Sintese trabalhista e previdenciária. São Paulo: v. 28. No.331, p. 73-76, jan. 2017, p. 77.

[20] Para mais informações, acessar o programa no link a seguir:  https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf

 

[21] Ibidem, p. 37.

[22] Ibidem, p. 60.

[23] DAINEZE, M. A. Códigos de Ética Empresarial e as Relações da Organização com seus Públicos. Universidade de São Paulo. Prêmio Ethos-Valor. Categoria graduação. v. 3. 2003. Disponível em: <http://www.uniethos.org.br>. Acesso em: 30 mar. 2020

[24] Ibidem, p. 30.

[25] Ibidem, p. 42-43.

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