Apesar de não terem efeito legal no Brasil, as cláusulas de não-concorrência no contrato de trabalho dos executivos – também conhecidas como “quarentena” – já começam a ser reconhecidas pela Justiça do trabalho. Há cerca de seis anos, o polêmico assunto passou a chamar a atenção dos juristas brasileiros.
Elas passaram a refletir as práticas adotadas pelas subsidiárias americanas instaladas no país.
De acordo com a advogada trabalhista, Adriana Calvo, devido a uma lacuna na CLT brasileira, muitos juízes vêm usando fontes do direito estrangeiro como critério. Ou seja, a empresa pode limitar o ex-empregado a, após a ruptura do contrato, trabalhar em atividade igual ou semelhante à de seu antigo empregador por um determinado tempo. “Contanto que paguem uma indenização para que o executivo tenha uma renda durante o prazo em que está impedido de atuar na concorrência, o que em média dura até dois anos”, explica.
Poucos casos, no entanto, chegam à Justiça brasileira. Em São Paulo quatro processos foram movidos entre 2002 e 2003. Dois deles favoreceram o empregador. Na Dinap o contrato foi validado, mas a empresa teve que pagar uma indenização pelo tempo em que o funcionário ficaria impedido de trabalhar em um concorrente. A empresa de informática Invensys Systems do Brasil também teve o contrato reconhecido e foi obrigada a pagar uma indenização de R$ 162.886,80 ou 30 salários médios para o funcionário que tinha se desligado da companhia.
Segundo Regiane de Mello João, doutora em direito do trabalho pela USP, a tendência do Judiciário considerar as cláusulas de não- em concorrência como válidas é cada vez maior, porque na mesma medida em que protege o direito de propriedade intelectual da empresa traz uma contrapartida financeira para o empregado. Elas asseguram seu sustento durante um prazo temporário em que será impedido de atuar no concorrente. Eles também são relativos apenas a uma área geográfica. “A pessoa não é obrigada a assinar o contrato, vale destacar. Mas se for forçada pela empresa, ela pode e deve recorrer ao meios legais”.
Por outro lado, há um consenso de que a justiça do trabalho coloca em questão a preocupação das empresas com os segredos comerciais comuns e as fórmulas de produtos. A advogada Adriana Calvo lembra de um fato que aconteceu nos Estados Unidos quando William Redmond Jr., diretor de operações da Pepsi na Califórnia, aceitou, em 1994, o cargo de diretor executivo da Gatorade, divisão da Quaker Oats. Logo após seu desligamento, a Pepsi Co. moveu um processo contra o ex-empregado, alegando que ele assinara contrato de confidencialidade e não-concorrência.
Redmond era co-responsável pelo plano de marketing de refrigerantes da empresa. A sentença judicial não só obrigou Redmond a não trabalhar para a referida empresa durante seis meses, como também o proibiu de revelar o plano da PepsiCo. aos seus novos patrões. “A Pepsi encontrava-se na posição de um treinador que tem um jogador que deixou a equipe com o plano do jogo na mão para entrar no clube dos adversários”, observou o órgão jurisdicional formado por três juízes.
Na opinião do ex-diretor da IBM para a América Latina, Mauro Pagliaro Gonçalves, que também cumpriu um contrato de “quarentena” na época que saiu da empresa, há oito anos, a prática de exclusividade é normal e evita que o executivo de alto escalão passe informações estratégicas ao concorrente. “O executivo conhece os pontos fortes e fracos da companhia que está deixando, seus problemas. Se vai para o concorrente, o derruba em dois tempos”, diz.
Para Breno Bina Kessler, sócio da Kessler Associados, há um lado positivo e outro negativo nesse tipo de contrato. O executivo continua sendo remunerado para não trabalhar no concorrente. O que não o impediu de abrir novas portas. Já a parte complicada é o relacionamento com seus antigos colegas de trabalho. “Fui uma das pessoas que mais levou negócios para a companhia e as pessoas te vêem como um inimigo”, afirma. “Mesmo não estando em nenhum concorrente da área de telecom, me viam como se fosse um concorrente”.
Em abril de 2004, Kessler se desligou da Embratel, após 32 anos de casa. Seu acordo de “quarentena” foi de um ano, período que não passou em branco. Pelo contrário. Ele viu a grande chance de enveredar por um caminho diferente.
Criou uma empresa na área de logística e em paralelo atuava na gestão interina de empresas do setor de TI. “Os contratos de ‘quarentena’ são interessantes para as companhias, já que seu alto escalão pode levar todo o conhecimento da estratégia da empresa para o concorrente”. No seu caso, o risco para a Embratel era iminente. Kessler sempre atuou na área de telecomunicações, onde possui bons relacionamentos, ocupando cargos de chefia. (A.G)
Fonte: Valor Econômico