Publicado originalmente em conjur.com.br
O Tribunal Superior do Trabalho não vive seus melhores dias. Há um conflito interno porque parte dos ministros da corte está cada vez mais incomodado com colegas que usam de artifícios para fazer valer sua vontade, ignorando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para proteger o trabalhador a qualquer custo.
Um exemplo disso, segundo um ministro do TST, aconteceu em agosto, durante a sessão da SDC, onde se enfrenta dificuldade para fazer valer a jurisprudência definida pelo Supremo sobre “comum acordo” para propor dissídios coletivos. “Placar seria de 5 a 4 na linha do STF, se fosse votado, mas não deixam julgar”, lamentou um ministro do tribunal.
De acordo com outro ministro do TST, há uma espécie de “insubordinação” na cúpula da Justiça do Trabalho. Um dos exemplos é o da terceirização. O STF validou esse tipo de contratação nas atividades meio e fim. Mesmo assim, no TST, não há uniformidade. Quatro turmas do tribunal (1ª, 4ª, 5ª, 8ª) respeitam o precedente; outras quatro dizem que o STF limitou a aplicação da decisão apenas às situações sem subordinação direta.
Há também o caso do RMNR da Petrobras, considerado o maior da história da estatal. Se perdesse a ação, como aconteceu no TST, a empresa energética teria que desembolsar (em valores atualizados) por volta de R$ 46 bilhões em diferenças salariais a 51 mil funcionários, inclusive inativos.
A discussão sobre a Remuneração Mínima por Nível e Região começou com empregados da companhia passando a exigir supostas diferenças salarias sobre o cálculo que quantificava a remuneração extra que cada trabalhador receberia. O TST julgou o caso em junho de 2018, decidindo, por 13 a 12, que os adicionais previstos na Constituição e na legislação trabalhista não podem constar na base de cálculo da RMNR, apenas aqueles previstos em normas coletivas ou contratos individuais de trabalho.
Um ano depois, o ministro Alexandre de Moraes atendeu recurso da Petrobras e barrou o pagamento das supostas diferenças salariais. Moraes concordou que o pagamento do adicional foi feito de boa-fé pela Petrobras. Em fevereiro de 2022, no plenário virtual do STF, defendeu a anulação do acórdão do TST por entender que não houve inconstitucionalidade no pacto entre empresa e empregados pelo RMNR. Após pedido de vista da ministra Rosa Weber, presidente do Supremo, o caso foi retomado este ano, com vitória da companhia, por 3 a 1.
Reversões preocupam
Reversões de decisões como no caso da Petrobras, onde havia um entendimento do pleno do Tribunal Superior do Trabalho, são usadas como exemplos por integrantes da corte sobre os perigos de proteger demais o trabalhador. Mas há outros, como o da qualificação da relação envolvendo representantes comerciais e caminhoneiros autônomos.
O Supremo decidiu que a terceirização é lícita quando não subordinação direta, devendo prevalecer a negociação coletiva. “Antes da Reforma Trabalhista havia grande insegurança. Com a reforma, decidiu-se que o conteúdo é imune (Tema 1.046). Tem que se respeitar o negociado. Mas até hoje ainda vigora o protecionismo no TST”, lamenta outro ministro do tribunal.
O mal estar da desautorização ficou marcado para muitos ministros. “O esvaziamento da competência da Justiça do Trabalho é a reação do Supremo Tribunal Federal a esse cenário de distorção”, disse um deles.
Problema que se alastra
Essas resistências da cúpula têm lastro, podendo ser vistas em diversos casos e instâncias da Justiça trabalhista. No último dia 14, por exemplo, a Uber foi obrigada a registrar todos os seus motoristas ativos, sob pena de multa de R$ 10 mil para cada descumprimento, e a pagar R$ 1 bilhão em danos morais coletivos por não ter adotado o modelo de relação trabalhista desde que chegou ao Brasil.
A decisão foi tomada pela 4ª Vara da Justiça do Trabalho de São Paulo numa ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho. Vale lembrar que Alexandre de Moraes já determinou ser competência da Justiça Comum, não da Trabalhista, o examine dessas relações de prestação de serviço. “Mas a Justiça do Trabalho que fazer vigorar sempre o vínculo. O pior é que a própria justiça comum já começou também a impor o vínculo”, lamentou um ministro do TST, sob a condição de anonimato.
Noutra ação proposta pelo MPT, a 3ª Câmara da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em julho deste ano, obrigou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica a considerar efeitos trabalhistas em suas decisões. Justificou a medida, que havia sido negada em primeira instância, alegando caber ao Cade considerar em suas análises as “funções sociais da propriedade, da livre iniciativa e do valor social do trabalho, nos termos da Constituição Federal”.
A decisão tratou da fusão das empresas Citrosuco e Citrovita. Diz o Ministério Público do Trabalho que, durante o processo de união das empresas, funcionários dessas companhias estavam sendo demitidos para posterior recontratação com salários menores.
Com esse exemplo como base, a Justiça do Trabalho também determinou que Cade, além da avaliação dos riscos ao mercado de trabalho, informe aos sindicatos o potencial de redução de empregos ou a possibilidade de demissões em massa nos processos sob sua análise. Segundo outro ministro do TST, que também falou sob a condição de anonimato, a decisão do TRT-15 assusta, mas não surpreende, porque o tribunal “é conhecido por ‘exponenciar’ esse viés protetivo sem limites”.