Publicado originalmente em conjur.com.br
A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-I) do Tribunal Superior do Trabalho suspendeu, nesta quinta-feira (6/10), o julgamento de dois casos sobre a polêmica da existência ou não de vínculo empregatício entre a Uber e os motoristas.
Antes do pedido de vista do ministro Cláudio Brandão, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga sugeriu remeter os autos ao Tribunal Pleno para julgar os processos como recursos repetitivos.
Dados do TST apontam que 496 ações sobre o tema da prestação de serviços por meio de aplicativos passaram a tramitar na corte desde 2019. Deste total, 342 pedem o reconhecimento da relação de emprego. Ao todo, são 177 processos da Uber, dos quais 113 se voltam a essa questão.
Especialistas ouvidos pela Consultor Jurídico esclarecem que um julgamento de repetitivos resolveria a controvérsia principal na Justiça do Trabalho, mas não teria efeito sobre as diversas “pontas soltas” derivadas de uma possível tese.
Limites sistemáticos
O ministro Alexandre Agra Belmonte, também do TST, explica que “se houver julgamento no mérito sob a sistemática dos recursos repetitivos, a controvérsia que será resolvida apenas decidirá se a relação é empregatícia, autônoma ou colaborativa”. Ou seja, se for decidido que não há relação de emprego, não serão definidos os direitos aplicáveis, “cabendo isso ao legislador”.
Na sessão de quinta-feira, antes da suspensão, a ministra Maria Cristina Peduzzi, relatora de um dos casos em discussão, votou contra a existência de vínculo empregatício e chegou a acatar a proposta de Veiga para julgamento de repetitivos. À ConJur, ela detalha o procedimento e suas consequências.
Se o incidente de recurso repetitivo for acolhido, o Pleno fixará uma tese com efeito vinculante para todos os órgãos da Justiça do Trabalho. Desta forma, a discussão, teoricamente, de fato estaria resolvida.
“Uma vez concluído no âmbito do TST o julgamento dos recursos de revista sobre a existência ou não de vínculo empregatício dos motoristas de aplicativos com a empresa Uber, todas as demais demandas em trâmite no Judiciário trabalhista que possuam idêntica questão de direito deverão ser decididas de acordo com o entendimento da corte superior”, pontua Renata Mourão, sócia trabalhista do Nelson Wilians Advogados.
Porém, no momento da afetação do processo ao Pleno, é necessário definir qual conteúdo será decidido. E, no caso, a questão é: há ou não vínculo de emprego? Em outras palavras, a discussão se limitaria à classificação da relação entre motoristas e Uber como autônoma ou regida pela CLT, sem abranger quaisquer efeitos relacionados.
Assim, uma tese vinculante valeria para todos os motoristas que trabalham com plataformas digitais, mas não alcançaria outras atividades. Os serviços de entrega, como o iFood, são costumeiramente comparados aos da Uber, mas não seriam contemplados por uma eventual decisão do TST em recursos repetitivos.
De qualquer forma, Maria Cristina lembra que a tese “serve como um precedente, que pode ser invocado até para justificar outras atividades que também são arregimentadas por meio das plataformas digitais”.
Também não seria objeto da tese a questão das garantias mínimas ao prestador de serviço. Isso porque tal debate seria uma consequência de uma eventual afirmação de inexistência do vínculo de emprego e reconhecimento da atividade autônoma.
A ministra ressalta que os trabalhadores autônomos já possuem “garantias mínimas civilizatórias”, como o direito a benefícios previdenciários. Já as convenções e os próprios contratos dos aplicativos possuem outras previsões, a exemplo de uma jornada máxima diária.
“Estas questões hoje são e deverão ser disciplinadas por meio dos contratos individuais ou coletivos. Ainda não temos uma lei que discipline especificamente o trabalho autônomo contratado por meio das plataformas digitais”, indica a magistrada.
Para Lana Carli da Silva Lima, também sócia trabalhista do Nelson Willians, “há uma necessidade maior de controle e subordinação pessoal, tecnológica, mudança na forma de remuneração e controle de jornada de trabalho pelas plataformas digitais”. A partir de uma decisão vinculante do TST, surgiriam outras questões, principalmente tributárias.
Muita calma nessa hora
Na visão de Paulo Peressin, counsel da área trabalhista do Lefosse, ainda “não é possível compreender o exato alcance dessa potencial decisão quanto às matérias em discussão”, já que os ministros da SDI-I ainda precisam decidir sobre a viabilidade ou não da remessa dos casos ao Pleno.
O professor e coordenador editorial trabalhista Ricardo Calcini também leva em conta o risco de a corte entender que não seria possível pacificar o tema, por uma questão de ordem processual: “Afinal, ao TST é vedado o reexame da matéria fática dos processos judiciais, porém não lhe é vedado proceder com o correto reenquadramento jurídico dos elementos probatórios constantes dos acórdãos dos Tribunais Regionais Trabalhistas”.
Em resumo, para que o julgamento vinculante aconteça e a tese possa abranger todas as hipóteses retratadas nos processos judiciais, “diversas questões fáticas” ainda terão de ser enfrentadas.
Além disso, Peressin ressalta que, mesmo após um possível julgamento de repetitivos, a decisão ainda poderá ser atacada por meio de recurso destinado ao Supremo Tribunal Federal.
Isso também é destacado pelo advogado Guilherme Macedo Silva, da área trabalhista do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados. Ele recorda que o §2º do artigo 8º da CLT proíbe que a jurisprudência do TST — mesmo uniformizada — gere restrições de direitos legalmente previstos ou obrigações não previstas em lei.
“É possível que a discussão seja levada ao STF para que se chegue a um ponto final, até que seja criada a legislação que regulamente essa modalidade de trabalho”, assinala.